As distrações em cabine de comando, com desregramento no conceito de cabine estéril e abuso do uso de PED, com poder mortífero, pelo articulista de segurança operacional da mídia AIN Stuart “Kipp” Lau, em 01.10.23

 

O articulista de segurança operacional para mídia AIN Stuart “Kipp” Lau recentemente escreveu um novo post sobre os perigos, de poder mortífero, das distrações em vôo, numa cabine de cabine de aeronave. Em postagem no dia 29 (set.), “Kipp” Lau escreveu o artigo de título “Deadly distractions on the flight deck – It’s a myth that humans can multitask, warns the NTSB”, ou “Distrações mortais na cabine de comando – é um mito que os humanos possam realizar multitarefas, alerta o NTSB”, sucedendo, após pouco de cinco anos, o artigo de 27/09/2018 intitulado “Distraction kills – all signs point to the world ending by touchscreen”, ou “Distração mata – todos os sinais apontam para o fim do mundo por telas por toque”.

Distraction kills – all signs point to the world ending by touchscreen”, ou “Distração mata – todos os sinais apontam para o fim do mundo por telas por toque”
“Kipp” Lau iniciou o artigo estabelecendo, numa visão geral, as distrações como um sério problema de segurança pública com consequências mortais. O número de ferimentos e mortes causados por indivíduos que utilizam dispositivos eletrônicos que roubam a atenção era alarmante. Uma grande preocupação era que a utilização de dispositivos eletrônicos pessoais (PED – Personal Electronic Device) se tornara tão predominante na sociedade que ultrapassara a capacidade na mesma de coexistir em segurança com esta tecnologia. Estes dispositivos “inteligentes” já haviam tornado um subconjunto da população realmente ‘emburrecida’, e simplesmente regulamentar o uso de PED não terá a capacidade solucionar o problema. “Kipp” Lau  sustentou que se tratava de uma questão comportamental requerendo uma compreensão mais profunda das limitações humanas e das vulnerabilidades relacionadas.

“Kipp” Lau então “marcou posição” – “é aqui que estamos. Indivíduos irresponsáveis ferem, mutilam e matam pessoas diariamente”. “Kipp” Lau então escreveu que as estatísticas eram bastante assustadoras – o Conselho Nacional de Segurança (NSC – National Safety Council) registrara que o uso do celular enquanto se dirigia levava a 1,6 milhões de acidentes a cada ano. Quase 390.000 lesões ocorriam todos os anos em acidentes causados por mensagens de texto durante o trânsito – na condução de veículos; em média, ocorriam nove mortes por dia. Um em cada quatro acidentes de carro no EUA era causado por mensagens de texto e direção. Outros estudos sugeriram que enviar mensagens de texto e dirigir era três a quatro vezes mais perigoso do que dirigir um veículo sob a influência de drogas ou álcool.

“Kipp” Lau então escreveu que a eliminação de distrações estava na lista de prioridades – “Most Wanted” List – do NTSB. Lau reproduziu: de acordo com o NTSB, “no transporte, a distração mata. Os motoristas e operadores de todos os modais de transporte devem manter as mãos, os olhos e as mentes concentrados na operação dos seus veículos. Em última análise, eliminar distrações no transporte exigirá mudanças nas regulamentações, bem como no pensamento e comportamento do motorista e do operador”.

“Kipp” Lau registrou que autoridades reguladoras em todos os níveis, incluindo a agência federal americana de aviação civil FAA, tinham promulgado leis tornando ilegal a operação de veículos durante a utilização de um PED.

No âmbito da aviação, Lau registrou que, em 2014, a FAA alterara a regra de “Sterile Cockpit”– cabine estéril -, no regulamento FAR 121, item 121.542 -, para incluir uma proibição do uso de dispositivos eletrônicos pessoais em cabine de comando. A regra proibia as tripulações das companhias aéreas de usar um dispositivo pessoal de comunicação sem fio ou laptop para uso pessoal enquanto estivessem em seu posto de serviço na cabine de comando enquanto a aeronave estivesse sendo operada. De acordo com a FAA, a regra destinava-se para garantir que certas atividades não essenciais não viessem contribuir para o desafio do gerenciamento de tarefas na cabine de comando ou para a perda de consciência situacional devido à atenção a uma tarefa não essencial.

Reconhecendo que os perigos da multitarefa afetam todas as tripulações de vôo, Lau registrou que o NTSB recomendara uma regulamentação semelhante para os pilotos do transporte privado no segmento de aeronaves compartilhadas – regulado pelo PART-91K – e do transporte por fretamento – regulado pelo PART-135. Lau escreveu que, concentrando-se no elemento dos fatores humanos, o NTSB declarara: “O aumento da prevalência de PED apenas expandiu as formas potenciais de distração de um piloto; no entanto, a consequência permanece a mesma: uma perda de consciência situacional com consequências potencialmente catastróficas. Como as pessoas têm atenção limitada e muitas tarefas de transporte são multidimensionais e complexas, reduzir as distrações que os pilotos e operadores trazem voluntariamente para o ambiente da tarefa pode maximizar os recursos de atenção’”.

“Kipp” Lau sustentou que a raiz desta discussão baseava-se em limitações cognitivas muito reais dos humanos. Conforme Lau, de acordo com um estudo da NASA, “os pilotos são altamente vulneráveis a erros de omissão quando tentam entrelaçar duas ou mais tarefas”. Lau prosseguiu apontando que investigação cognitiva indica que as pessoas são capazes de realizar duas tarefas simultaneamente apenas em circunstâncias limitadas, mesmo que sejam hábeis na execução de cada tarefa separadamente.

Lau então “abre” uma explicação de ordem mental: os humanos têm dois sistemas cognitivos; um envolve controle consciente, enquanto o outro é amplamente automático. O controle consciente é lento e exige esforço para executar um passo de cada vez, em sequência. Os processos cognitivos automatizados desenvolvem-se à medida que adquirimos competências – estes processos são específicos de uma tarefa, operam de forma rápida e fluida e requerem muito pouco esforço.

Enviar mensagens de texto é um exemplo de atividade nova que requer processamento consciente ativo. Cada troca escrita é única e cada indivíduo deve formular uma resposta apropriada e diferente. Dirigir um carro em uma rota familiar é em grande parte automático. Misturar ou combinar tarefas de processamento consciente e automatizado desafiará as capacidades cognitivas do condutor. Como muitas outras questões de fatores humanos; os efeitos das limitações cognitivas são muitas vezes muito sútis e, quando não controlados, contribuem para erros. Isso, combinado com longos períodos de “cabeça baixa”, cria uma combinação verdadeiramente mortal.

Para eliminar distrações, algumas empresas com visão de futuro definem claramente quando o uso de um PED é proibido. Por exemplo, uma empresa canadense de helicópteros exige que seus técnicos de manutenção coloquem seus celulares em uma caixa segura antes de trabalharem no chão de fábrica. Outra empresa proíbe o uso de PED em veículos da empresa.

Lau defendeu que os indivíduos também devem assumir alguma responsabilidade na eliminação das distrações decorrentes do uso de PED. Um conceito é estabelecer um “portão” para entrar numa “zona sem [uso de] telefone”. Lau então dá o seu exemplo pessoal: a prática de desligar seu telefone no ato de pegar a liberação do vôo no despacho operacional, nesse ponto ele tornando-se “apenas um piloto” – tornando-se indisponível para funções de pai, marido, proprietário, representante sindical, torcedor esportista, acionista ou qualquer outra condição – todo e qualquer situação podendo esperar pela retomada de sua disponibilidade. Caso surgindo algum problema relacionado ao vôo, ele ligava novamente seu telefone para se comunicar com a empresa. Lau então instiga o leitor: “Qual é o seu plano?”.

“Kipp” Lau finalizou o artigo defendendo que uma melhor compreensão das limitações cognitivas e das vulnerabilidades dos seres humanos deve contribuir muito para eliminar as distrações causadas por PED. O desafio é o de educar aqueles que desconhecem os perigos, se sentem invencíveis ou simplesmente não têm a menor ideia.

Deadly distractions on the flight deck – It’s a myth that humans can multitask, warns the NTSB”, ou “Distrações mortais na cabine de comando – é um mito que os humanos possam realizar multitarefas, alerta o NTSB”
“Kipp” Lau iniciou o artigo remetendo a um acidente fatal da aviação geral americana em 2021. Um piloto, de 23 anos de idade, voava numa operação vigilância de um oleoduto, à baixa altura, quando  aeronave atingiu cabo de sustentação de uma torre de rádio – na colisão, a asa esquerda do monomotor Cessna C182 foi “arrancada”, resultando a perda de controle da aeronave, que acabou voando contra o solo e explodindo nesse choque com terreno. O jovem piloto faleceu.

Em seu relatório final do acidente , o NTSB observou que, 35 segundos antes de atingir o cabo de sustentação, o piloto fez uma postagem no aplicativo de mídia social Snapchat. Essa foi sua última postagem – uma postagem “final”.

Na reprodução por Lau, do relatório do NTSB, “com base nas informações conhecidas, é provável que o piloto tenha se distraído enquanto usava seu dispositivo móvel minutos antes do acidente e não manteve a vigilância adequada para garantir uma trajetória de vôo segura para evitar a torre de rádio e seus cabos. Contribuiu para o acidente o uso desnecessário de seu dispositivo móvel pelo piloto durante o vôo, o que diminuiu sua atenção/monitoramento da trajetória de vôo do avião”.

Segundo Lau, o NTSB há muito lidera um esforço para eliminar as distrações na aviação e em outros modais de transporte. “A distração é um problema crescente com risco de vida em todos os meios de transporte”, divulgou o NTSB. O NTSB identificou a proliferação de dispositivos eletrônicos pessoais (PED), como celulares e tablets, como um problema grave. E acrescentou: “Sabemos que uma perda de consciência situacional no ar e no solo pode ter resultados potencialmente catastróficos”.

Lau opina que, tristemente, esses acidentes por distrações são evitáveis.

Em 2017, o piloto de um helicóptero Bell 206L3 morreu quando o aparelho colidiu com terreno numa fazenda perto de Ancho, no Novo México (EUA). Pouco antes do acidente, o piloto (com experiência de 8.800 horas de vôo) ligou para uma locadora de veículos para fazer uma reserva. Durante uma entrevista subsequente, a agente da locadora de veículos declarou que “lembrava-se bem da ligação e conhecia o piloto, porque ele costumava alugar um carro na agência”. A agente acrescentou que, no dia do acidente, não sabia dizer se ele estava em um helicóptero, mas disse que parecia “ocupado e distraído”. A agente deu uma informação impactante: que durante a ligação, “no meio da frase, a ligação caiu – foi desconectada”. O relatório do NTSB concluiu que a causa provável do acidente foi a distração do piloto com o celular durante o vôo em baixa altitude.

De acordo com o NTSB, “os pilotos envolvidos em operações de aviação geral são mais suscetíveis a acidentes relacionados com distrações porque não existem regulamentações federais, como as regras de cabine estéril (sterile cockpit) adotadas em operações comerciais [do transporte PART-121]”.

Além disso, o NTSB acredita que as aeronaves de uso pessoal e recreativas correm um risco maior, uma vez que não estão sujeitas a políticas de segurança corporativa que abordam o uso de dispositivos eletrônicos pessoais.

Lau então cita um segundo caso. Em 2014, quando o piloto de um monomotor Cessna 150 perdeu o controle de sua aeronave perto de Denver, no Colorado (EUA). Antes do acidente, o piloto tirava selfies com o celular. No relatório, o NTSB registrou: “Contribuiu para o acidente a distração do piloto devido ao uso do celular durante manobras em baixa altitude”.

Lau registra que o NTSB gostaria que a FAA proibisse o uso de dispositivos eletrônicos pessoais não operacionais em aeronaves operadas pelos segmentos de transporte privado (PART-91) e público por fretamento (PART-135).

As descobertas de um acidente fatal de um helicóptero do transporte aeromédico em 2011 apontam para a necessidade de abordar a distração em todos os tipos de aeronaves. Nesse acidente, um Airbus H125 ficou sem combustível e caiu, matando o piloto, dois tripulantes médicos e o paciente. Entre os fatores que contribuíram, concluiu o NTSB, estava “a atenção distraída do piloto devido a mensagens de texto pessoais durante operações críticas de segurança em solo e vôo”.

Lau aponta que as distrações são um sério problema de segurança pública matando pessoas indiscriminadamente em estrada e no ar. A condução distraída, por exemplo, é generalizada: mata milhares de pessoas e fere centenas de milhares todos os anos no EUA. Estudos sugerem que a condução distraída é quatro vezes mais perigosa do que conduzir um veículo sob a influência de drogas ou álcool, uma observação já apresentada por Lau no seu primeiro post escrito em 2018.

Contribuindo para o problema, de acordo com o NTSB, “está a crença generalizada de muitos de que podem realizar multitarefas e ainda assim operar um veículo com segurança. Mas a multitarefa é um mito – os humanos só conseguem concentrar a atenção cognitiva em uma tarefa de cada vez”.

O NTSB determina que “as consequências das distrações visuais, manuais, cognitivas e auditivas podem ser vistas em todos os meios de transporte. Nas operações comerciais, todo o pessoal crítico para a segurança deve comprometer-se a minimizar as distrações, e as empresas têm a responsabilidade corporativa de desenvolver políticas para reduzir as distrações”. E conclui: “É necessária uma mudança cultural para que todo o pessoal da aviação compreenda que a sua segurança e a segurança dos outros depende da desconexão de distrações mortais”.

Finalizando o seu novo post, Lau remete-se ao primeiro artigo focado em distrações, de 2018 (ie, cinco anos atrás). Lau constata que, infelizmente, o problema não melhorou. E diagnostica que indivíduos irresponsáveis são consumidos pela utilização de dispositivos eletrônicos pessoais enquanto conduzem veículos – e não conseguem evitar e não compreendem as consequências mortais dessa prática e comportamento. Lau repete o que recomendou no primeiro artigo: que os indivíduos também devem assumir alguma responsabilidade na eliminação das distrações decorrentes do uso de PED, a partir de uma prática de estabelecer um “portão” para entrar numa “zona sem [uso de] telefone”. E também relança um desafio “de educar aqueles que não estão cientes dos perigos, que se sentem invencíveis, ou simplesmente não têm a menor ideia (sobre os perigos do uso de dispositivos eletrônicos pessoais)”.