Mercado europeu de SAF apresenta grandes desafios para as cias. aéreas pela política ReFuelEU da União Européia, em 23.07.24


A colaboradora para Europa da mídia de aviação AIN on line Cathy Buyck escreveu um artigo, no dia 16, com título “Europe’s SAF market poses competitive challenges for airlines / Airlines face stiff challenges from the European Union’s ReFuelEU policy “, para abordar cenário em evolução para a descarbonização da aviação dentro dos planos ditados pela União Européia, com a sua política (programa) ReFuelEU, e especificamente os desafios nestes para as cias. aéreas do transporte comercial – que a articulista define como “duros” e “competitivos” (concorrenciais).

Buyck iniciou o artigo sustentando que a União Européia (UE) está levando a cabo ação mais agressiva em matéria de alterações climáticas do que qualquer outra região do mundo, impondo requisitos juridicamente vinculativos a todas as indústrias, em vez de objetivos ambiciosos. O Pacto Ecológico Europeu (EGD – European Green Deal) luta pela neutralidade climática até 2050, com uma meta transitória de reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa do bloco (comunidade) em pelo menos 55% até 2030 em comparação com os níveis de 1990. Para concretizar estas metas transitória e final, a União Européia adotou, em julho de 2021, um conjunto de propostas abrangentes para tornar o clima, a energia, os transportes e tributação (taxação) da UE “adequados para 55 [marca de redução de emissão, percentualmente]”.

Muitas novas políticas e regulamentos afetarão o transporte aéreo e aeroespacial, mas a política ReFuelEU é, sem dúvida, a legislação de maior alcance no ‘pacote’ (meta transitória de reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa em pelo menos 55% até 2030) denominado Fit for 55, aponta Buyck.

Buyck repassa metas cronológicas e regras previstas no programa ReFuelEU.

A iniciativa prevê que os combustíveis de aviação sustentáveis ​​(SAF) representem pelo menos 2% do total de combustível utilizado nas aeronaves a partir do próximo ano. E esta parcela mínima aumentando a cada 5 anos, para 6% em 2030, 20% em 2035, 34% em 2040, 42% em 2045 e 70% em 2050. Uma proporção específica do mix de combustíveis – 1,2% em 2030 aumentando progressivamente para 35% em 2050 – devem ser combustíveis sintéticos de aviação com baixo teor de carbono, como e-fuels (e-combustíveis) ou e-SAF, utilizando tecnologia de transformação de energia em líquido.

De acordo com as novas regras, a percentagem de SAF misturado com querosene fóssil (QAV / JET-A) aplica-se em todo a Área Econômica Européia (EEA – European Economic Area) – os 27 Estados-membros da UE, mais Islândia, Liechtenstein e Noruega. Os mandatos proíbem os Estados-Membros de definir requisitos compulsórios superiores ou inferiores.

A legislação impõe a obrigação de fornecer SAF aos fornecedores de combustível, e não diretamente às companhias aéreas. Graças a um “mecanismo de flexibilidade”, fornecedores de combustível terão de ofertar a mistura de SAF inicialmente calculada em média sobre os aeroportos elegíveis da UE para abastecimento de SAF.

Para evitar o abastecimento de combustível adquirido a preços mais baixos fora da região, as novas regras obrigarão as cias. aéreas a abastecer pelo menos 90% do volume de combustível necessário para vôos na saída nos aeroportos da EEA, pela média anual.

Buyck aponta que as cias. aéreas europeias têm sentimentos contraditórios sobre a obrigação de adesão ao SAF.

“Não é que não queiramos cumprir, queremos cumprir”, comentou o CEO do International Airlines Group, Luis Gallego, durante uma conferência organizada pela entidade comercial A4E – Airlines for Europe (organização comercial representativa das transportadoras aéreas européias), com sede em Bruxelas (Bélgica), no início deste ano.

A IAG, controladora das transportadoras Aer Lingus, British Airways, Iberia, Level e Vueling, comprou cerca de 12% do fornecimento mundial de SAF no ano passado, revelou Gallego, acrescentando que a maior parte do combustível veio do EUA.

“Será que 6% de SAF até 2030 [na Europa, meta prevista pela UE no Fit for 55] é viável quando 90% do investimento em SAF está no EUA? Não faz sentido nos obrigar a comprar aqui algo que é produzido no EUA”, Gallego questionou criticamente.

Gallego revelou que as cias. aéreas membros da A4E deverão investir 14,8 mil milhões de Euros em SAF até 2030, e querem “SAF na Europa”, insistiu Gallego.

A A4E – Airlines for Europe (organização comercial representativa das transportadoras aéreas européias), cujos membros incluem os maiores grupos de cias. aéreas européis, incluindo as transportadoras de baixo custo como easyJet, Ryanair, TUI e Volotea, apela aos decisores políticos para fornecerem incentivos para “dinamizar a produção de SAF em toda a Europa – incluindo créditos fiscais competitivos, financiamento e apoio a projetos SAF ou produtores de combustível nascentes, emergentes e estabelecidos”.

“Estamos todos 100 por cento alinhados com a necessidade de descarbonizar”, disse o CEO da Air France-KLM, Ben Smith, falando em recente seminário da A4E. “Mas temos uma desvantagem em relação aos concorrentes que não têm os mesmos encargos regulatórios. Muitos dos nossos concorrentes não têm obrigatoriedade de SAF, não têm precificação de carbono [carbon price – atribuição de um custo aos impactos negativos gerados pelo aumento de gases de efeito estufa na atmosfera, causados, no caso, pela queima de combustíveis fósseis] e não têm taxação doméstica incidente [sobre a aviação], explicou Smith.

Na Europa, a Air France-KLM já é a maior compradora de SAF porque a França implementou uma obrigatoriedade de mistura de SAF de 1% em 2022, observou Smith. Dois outros países europeus, a Noruega e a Suécia, têm obrigatoriedades de adesão ao SAF, de 0,5% desde 2020 e 1% desde 2021, respectivamente.

“Eu poderia aconselhar os meus passageiros a usarem um hub fora da Europa”, lamentou o CEO do Grupo Lufthansa, Carsten Spohr. “Sem condições de concorrência globais, ficaremos fora do mercado”, pontuou Carsten.

Sua posição não é nova. A cia. aérea alemã alerta há anos que o ‘pacote’ regulatório Fit for 55 da UE e a obrigatoriedade de combinação de SAF, em particular, irão “enfraquecer significativamente” a posição competitiva das cias. aéreas do bloco (comunidade) que operam globalmente em comparação com cias. aéreas de fora da UE com hubs, por exemplo, em Istambul (Turquia), Doha (Catar) e Dubai (Emirados Árabes Unidos). As cias. aéreas da UE terão de aumentar o uso de SAF – que normalmente custa três a cinco vezes mais que o combustível aeronáutico fóssil tradicional – para as suas ligações de curta e longa distância com início na UE. As congêneres de países terceiros terão de adquirir uma mistura de SAF apenas para o vôo até ao seu hub e utilizar o (fóssil) JET-A1 para o vôo de longo curso subsequente.

Além disso, as cias. aéreas terão de pagar pela sua “pegada” de carbono nos vôos intra-UE – incluindo vôos-alimentadores intra-UE para vôos de longo curso – ao abrigo do Sistema de Comércio de Emissões da União Européia (ETS – Emissions Trading System). O ‘pacote’ regulatório Fit for 55 orienta para a revisão do ETS e para eliminação progressiva dos subsídios da aviação até 2026.

O atual regime ETS da UE abrange vôos dentro e entre países do Área Econômica Européia (EEA – European Economic Area) e para o Reino Unido e a Suíça.

De acordo com a análise da A4E, a obrigatoriedade provavelmente aumentará cinco vezes o custo de conformidade do ETS para as suas cias. aéreas membros, para mais de 5 bilhões de Euros a 6 bilhões de Euros (até US$ 6,4 bi) anualmente.

No âmbito da iniciativa Fit for 55, as companhias aéreas que voam na UE também terão de medir e reportar emissões que não sejam de dióxido de carbono (CO2) por vôo a partir de janeiro.

Várias associações industriais, incluindo a ASD (Aerospace, Security, and Defense Industries Association of Europe – Associação das Indústrias Aeroespaciais, de Segurança e de Defesa da Europa (ASD) e a IATA, consideram esta exigência prematura.

“Formular e implementar regulamentos com base em dados insuficientes e conhecimento científico limitado é uma tolice e pode levar a impactos adversos no clima”, observou o diretor-geral da IATA, Willie Walsh.

A União Européia reconheceu que os seus regulamentos pró-clima podem levar à perda de fluxos de tráfego de ligação através dos aeroportos do bloco e à dispersão de carbono, mas uma revisão prevista para 2027 avaliará se as novas políticas “verdes” resultaram em distorções da concorrência no mercado global do transporte aéreo e quais providências tomar. No entanto, a UE rejeita as críticas da A4E de que a sua política de descarbonização da aviação se resume à truculência (“bastão”), em oposição à Lei de Redução da Inflação (IRA – Inflation Reduction Act) do EUA, um programa de combate à inflação e às mudanças climáticas, com uma gama de tributos, isenções e subsídios no tocante a fontes de energia. “[As obrigatoriedades são] muito rígidas, mas também estamos por implementar incentivos”, afirmou Rachel Smit, membro do gabinete da Comissária dos Transportes da UE, Adina Vălean.

Incentivos já aprovados pelos colegisladores da UE incluem a classificação zero de SAF ao abrigo do do Sistema de Comércio de Emissões da União Européia (ETS – Emissions Trading System) e a atribuição de 20 milhões de subsídios ETS para cias. aéreas entre 2024 e 2030 para cobrir parte ou a totalidade do diferencial de preços entre o SAF e o querosene aeronáutico fóssil. “As companhias aéreas parecem gostar de ignorar este esquema, que vale [dependendo do preço do carbono] cerca de 1,6 bilhões de Euros a 1,7 bilhões de Euros e cujo dinheiro vai diretamente para as companhias aéreas. O tão elogiado IRA do EUA é dinheiro que vai para as empresas petrolíferas e nem tudo vai para a produção de SAF”, explicou um funcionário do departamento de mobilidade e transporte da Comissão Européia para a AIN.

“Para nós, a questão não é se precisamos do ReFuelEU ou do sistema americano de incentivo à produção de SAF. Precisamos de ambos”, disse Vincent De Vroey, diretor de aviação civil da ASD. “Precisamos baixar o preço [do SAF] e aumentar a produção, e os créditos e incentivos fiscais ajudarão a conseguir isso. Mas, ao mesmo tempo, precisamos também de garantir que todos irão utilizá-lo. É por isso que precisamos das obrigatoriedades que o ReFuelEU fornece”, De Vroey explicou. “O mandato SAF da UE é, na verdade, uma obrigação para os produtores de combustível fornecerem uma mistura de SAF no aeroporto, pelo que todos terão de utilizá-la”, De Vroey completou.

De Vroey descreveu o ReFuelEU para a aviação como um regulamento “positivo” e que todo o “ecossistema” europeu de cias. aéreas, aeroportos, fabricantes e prestadores de serviços de navegação aérea tem apoiado. “E vemos que, a propósito, outras regiões também estão se movendo nessa direção, como mostra o objetivo de redução de 5% das emissões de CO2 até 2030 – acordado pelos Estados-membros da ICAO no final do ano passado”, disse De Vroey à AIN.

A perspectiva de mercado SAF de 2024 da SkyNRG (fornecedora de combustível renovável holandesa, líder global), desenvolvida em cooperação com a consultoria ICF, lista o Reino Unido, Japão, Cingapura, Índia, Brasil, Colúmbia Britânica, Indonésia e Malásia como nações que desenvolveram legislação ou propostas de legislação para impulsionar a adoção doméstica de SAF no último ano. Caso se materializem, todas essas políticas levarão a demanda global sob meta de 9,2 milhões de toneladas (Mt), ou 3,1 bilhões de galões (Bgal) e sob uma obrigatoriedade de SAF para 6,9 Mt (2,3 Bgal) até 2030. Demanda compulsoriamente poderia significativamente alterar-se se economias desenvolvidas como China e EUA desenvolverem e impuserem mandatos.

Os mandatos ReFuelEU levarão a demanda por SAF na UE para perto de 1 milhão de toneladas em 2025 – representando o dobro do mercado global em 2023 – e atingirá 2,8 toneladas até 2030. Os anúncios de capacidade de combustível renovável até à data forneceriam 3,8 toneladas de SAF até 2030, com um total de 5,5 toneladas em pipeline.

“Isto sugere que uma taxa de sucesso mínima [de capacidade] de 50 por cento teria de ser alcançada para satisfazer a demanda da UE, sem considerar as importações”, observam representantes da SkyNRG. “No entanto, em 2024 identificamos uma tendência contínua de atrasos no setor, o que significa que a capacidade real de SAF em 2030 será provavelmente inferior ao que foi anunciado”, apontam os representantes.

A aceleração do desenvolvimento da capacidade de produção doméstica exigirá que a UE ou os seus Estados-Membros aumentem os mecanismos de apoio financeiro, refletindo de alguma forma o que o EUA espera que a sua legislação IRA realize. “Ou seja, temos o pau e precisamos complementar com a cenoura. É por isso que saudamos a inclusão do SAF na lista única de tecnologias líquidas zero na Lei da Indústria Net Zero/Emissão Zero (NZIA – Net Zero Industry Act), da UE, como um primeiro passo na direção certa”, disse com De Vroey. Ele chama os subsídios reservados para o uso do SAF em vôos elegíveis para ETS entre 2024 e 2030 como “um exemplo do que chamaríamos de regulamentação inteligente”, que incentiva o comportamento correto, recompensando as cias. aéreas a usarem o SAF além do nível da obrigatoriedade regulatória.

“O quadro mais amplo obviamente é o da aviação neutra em carbono; não se trata apenas de SAF, trata-se também de ATM [gerenciamento de tráfego aéreo] e de tecnologia”, enfatizou De Vroey. “Precisamos continuar pesquisando novos tipos de tecnologias, seja hidrogênio ou eletricidade híbrida, mas também motores ultraeficientes e aeronaves de nova geração capazes de 100% SAF”, finalizou De Vroey. [EL] – c/ fonte