Acidentes recentes da aviação executiva iniciados na  falta de resposta de tripulantes reagindo corretamente a avisos-alertas de cabine relacionados a problemas de controle de vôo, em 28.01.25


No dia 24, o colaborador articulista-especialista de segurança da mídia AIN Stuart “Kipp” Lau postou artigo intitulado estendido “Recent bizav accidents are head-scratchers – Mishaps started with flight crews not responding correctly to flight control warnings on takeoff” (Acidentes recentes da aviação executiva são intrigantes – os acidentes começaram com as tripulações de vôo não respondendo corretamente aos avisos de controle de vôo na decolagem [e de órgão de controle de tráfego aéreo de aeródromo]”.

Recent bizav accidents are head-scratchers – Mishaps started with flight crews not responding correctly to flight control warnings on takeoff” – Stuart “Kipp” Lau – 24/01/2025:
https://www.ainonline.com/aviation-news/business-aviation/2025-01-24/ainsight-recent-bizav-accidents-are-head-scratchers

A seguir, a versão traduzida do artigo de “Kipp” Lau.

“Dois relatórios de acidentes publicados [pelo NTSB] recentemente me deixaram “coçando a cabeça”. Em ambos os casos, os pilotos de jatos executivos tentaram solucionar problemas de manutenção “na hora”. Um jato estava literalmente na decolagem sem a tripulação consultar manuais de operação ou manual-guia de referência rápida (QRH) aprovados para aeronaves ou buscar orientação de pessoal de manutenção. 

O primeiro acidente levou a uma perturbação durante o vôo que resultou na morte de um passageiro, enquanto o segundo resultou em uma incursão de pista séria em que duas aeronaves (jatos) colidiram em um cruzamento de pista. 

Como piloto e investigador de segurança, “Monday morning quarterbacking” (ou seja, em alusão a uma postura e ação de jogador que comanda o jogo ofensivo do seu time, de primeira hora) não é meu forte (odeio isso!). Mas neste caso, depois de vasculhar os dois relatórios do NTSB, estou um pouco perplexo sobre o motivo pelo qual esses pilotos profissionais tentaram decolar e voar com alertas de cabine relacionados a problemas de controle de vôo. Tudo o que posso dizer, neste momento, é: “C’mon man!” “(“Vamos lá, cara!”).

Ao contrário do amplamente popular ““C’mon man!” “(“Vamos lá, cara!”) da ESPN – um segmento humorístico no Monday Night Countdown apresentando erros de jogadores de futebol profissional -,  esses dois acidentes foram muito mais sérios. O resultado desses eventos foi trágico: um passageiro morreu, três aeronaves foram danificadas e havia potencial para causar danos a muitas outras pessoas. 

Abaixo estão trechos (extratos) dos respectivos relatórios aplicáveis ​​do NTSB.

Perturbação em vôo fatal
Em dezembro, o NTSB publicou seu relatório final sobre o acidente em vôo (em rota) fatal de um Bombardier Challenger 300 ocorrido em 03 de março de 2023. Este evento ocorreu em um vôo do PART-91 [transporte privado] de Keene, em New Hampshire, para Leesburg, na Virgínia.

De acordo com o relatório do NTSB, no dia do acidente, o Segundo em comando (SIC) do vôo estava distraído e não conseguiu remover a tampa da sonda pitot no lado direito da aeronave. 

Durante a corrida de decolagem, o SIC declarou que o avião acelerou normalmente, mas observou que o indicador de velocidade da tela de informação primária de vôo (PFD) direita não convergia com o indicador de velocidade do PFD do lado esquerdo. Isso levou o Piloto em comando (PIC) a rejeitar a decolagem. 

Após a decolagem rejeitada, o PIC livrou a pista principal para uma pista de táxi. O motor esquerdo foi então cortado, e o SIC abriu a porta principal da cabine e caminhou até a frente do avião, onde encontrou um “protetor vermelho da sonda pitot” fixado na sonda pitot do lado direito. O SIC então removeu o protetor, não notando danos, e retornou à cabine. 

O PIC então reiniciou o motor esquerdo e retomou o táxi para outra tentativa de decolagem. Logo após o motor ter sido acionado, a tripulação declarou que verificou que uma mensagem de aviso (Advisory message) “RUDDER LIMIT FAULT” [Falha Limite de Leme] foi anunciada no sistema de alerta da tripulação (CAS – Crew Alerting System). O PIC tentou “limpar” a mensagem usando um interruptor de “teste de estol” (“stall test”) da aviônica, que não funcionou. Nesse momento, a tripulação discutiu chamar o suporte de manutenção, mas decidiu continuar o vôo, pois era uma mensagem de aviso e não uma mensagem de alerta-advertência. A tripulação de vôo não consultou o manual-guia de referência rápida (QRH).  

Em aeronaves executivas da Bombardier, o guia no item “Go/No-go” é uma tabela que fornece orientação da fabricante para mensagens de aviso (Advisory message) de condições não-normais — tanto liberando uma operação com ressalva com a relação de itens operacionais mínimos quanto instruindo a não aeronavegabilidade e a vedação de uma operação de vôo conforme item não-operacional. A mensagem de aviso (Advisory message) “RUDDER LIMIT FAULT” é listada como um item “No-go” e o vôo assim é vedado [o caso em questão]. 

Durante a segunda decolagem, o SIC notou que as velocidades de referência não estavam definidas, mas a aceleração estava normal. De memória, o SIC “cantou” a V1 e a VR para a rotação. Durante a subida subsequente, a 400 pés AGL no rádio-altímetro, informações de vôo indicaram uma mensagem de advertência (Caution message) “MACH TRIM FAIL” [Falha de compensador de MACH]. Depois, o PIC acionou o piloto-automático, e a mensagem de advertência (Caution message) “AP STAB TRIM FAIL” [Falha de compensador de estabilizador do Piloto-automático] foi exibida. 

O PIC desacoplaria e re-acoplaria o piloto-automático várias vezes – sem avisar o SIC – fazendo com que as mensagens de advertência (Caution message) do piloto-automático fossem apagadas e reaparecessem quando o piloto-automático foi acionado. Conforme a velocidade e a altitude aumentavam, a mensagem de advertência (Caution message) “AP HOLDING NOSE DOWN” [Piloto-automático mantendo ‘nariz’ para baixo] se iluminava. 

Após receber as mensagens de advertência (Caution message) âmbar, o PIC pediu ao SIC para “obter a lista de verificação”, mas não pediu uma lista de verificação específica por assunto. De acordo com o relatório, a tripulação então ficou obcecada em reprogramar as velocidades de referência no FMS, acreditando que as mensagens de advertência (Caution message) estavam relacionadas a problemas encontrados após a decolagem rejeitada. 

Após aproximadamente, a tripulação do vôo concordou em executar a lista de verificação “PRI STAB TRIM FAIL” {Falha de compensador primário] localizada no cartão de referência rápida (QRC) — uma mensagem CAS que não foi exibida. O SIC escolheu essa lista de verificação, pois era a única lista de verificação relacionada ao compensador no QRC, e ele não considerou usar nenhuma outra lista de verificação. 

No entanto, a item com lista de verificação correta estava disponível no QRH e teria alertado a tripulação sobre a possível mudança abrupta na força de controle a partir da desconexão do piloto-automático. Também teria garantido que os passageiros estivessem sentados com os cintos de segurança afivelados. 

De acordo com o relatório do NTSB, o primeiro passo na lista de verificação “PRI STAB TRIM FAIL” é mover o interruptor do compensador primário de ativo para desligado (OFF). Quando a tripulação do Challenger 300 desligou, cortando a energia do compensador primário e desconectando o piloto- automático, a aeronave subiu abruptamente para (pitch) 11° com o ‘nariz’ para cima, resultando em uma carga de fator 4G. Então, o pitch diminuiu e a aceleração vertical mudou para carga -2,3G, aponta o NTSB. Em seguida, a coluna de controle foi movida para trás e a aeronave subiu para 20° com uma carga aerodinâmica resultante de 4G. 

Após a “reviravolta”, os tripulantes de vôo foram alertados por um passageiro de que outro passageiro havia se ferido. O SIC saiu da cabine de comando para verificar o passageiro e fornecer atendimento médico. Logo depois, o SIC informou ao PIC que havia uma emergência médica e que eles precisavam pousar. A passageira morreria mais tarde no hospital devido aos ferimentos. 

A análise do NTSB da memória não volátil da unidade de controle eletrônico de compensação do estabilizador horizontal (HSTECU – Horizontal Stabilizer Trim Electronic Control Unit) descobriu que, durante a decolagem rejeitada, a incompatibilidade de velocidade entre os computadores de dados de atmosfera [ADC – air data computer] #1ADC (ADC 1) e #2ADC (ADC 2) excedeu 20 KT por mais de 5 segundos devido à sonda pitot direita tampada (pelo protetor não retirado por esquecimento). Este cenário induziu várias mensagens de falha, como “ADC 1/ADC 2 miscompare” (erro de confronto entre os dois ADC), na lógica do sistema HSTECU que, em última análise, resultou em uma falha “RUDDER LIMITER” [limitador de leme] e falhas subsequentes e em cascata do conjunto piloto-automático/compensador. Os testes de vôo de um Challenger 300 de exemplo confirmaram essas descobertas.

Infelizmente, de acordo com o relatório, as falhas do HSTECU poderiam ter sido eliminadas se a unidade – por meio do disjuntor ou de todo o avião – tivesse sido desligada e ligada novamente antes de decolagem.

O NTSB determinou que a causa provável do acidente foi “a falha da tripulação de vôo em remover o protetor da sonda pitot do lado direito antes do vôo, sua decisão de decolar com uma mensagem de aviso (Advisory message) de item No-go após uma decolagem abortada e sua seleção da lista de verificação não-normal incorreta em vôo, o que resultou numa falha de atitude de vôo (perturbação em vôo) que excedeu as limitações do fator de carga do avião e resultou em ferimentos fatais a um passageiro cujo cinto de segurança não estava afivelado.

Contribuindo para a gravidade da falha de atitude de vôo estavam a decisão do PIC de continuar a subir e usar o piloto-automático enquanto solucionava problemas da condição não-normal, e as oscilações induzidas do PIC após o piloto-automático se desconectar da condição de compensação “fora” de atuação. Também contribuiu para o acidente o gerenciamento inadequado de recursos da tripulação”.

Houston … temos um problema
Em 24 de outubro de 2023, 7 meses após a falha em vôo do Challenger 300, a tripulação de um Hawker 850XP em corrida de decolagem atingiu um Cessna Citation Mustang que estava pousando em uma outra pista, no cruzamento de pistas, no Aeroporto Houston Hobby (KHOU). Ambas as aeronaves foram substancialmente danificadas, mas, felizmente, nenhum dos ocupantes ficou ferido. 

De acordo com o relatório preliminar do acidente do NTSB (o relatório final não foi publicado), o controlador da torre instruiu os pilotos do Hawker a “alinhar e manter posição” na pista 22, enquanto o Citation Mustang foi liberado para pousar na pista 13R.  

Em uma entrevista pós-acidente, os pilotos do Hawker disseram que acreditavam que estavam liberados para decolar quando iniciaram a decolagem. 

De acordo com os pilotos do Hawker, antes de chegar à pista, as velocidades de referência (V-speed) não eram mais exibidas nas telas de informação de vôo primária. Isso criou uma distração, juntamente com os alertas “RUDDER BIAS” [amortecedor de leme] e “PITCH TRIM” [compensador de pitch] que foram exibidos durante a decolagem. Notavelmente, os pilotos do Hawker estavam tentando “resolver [esses alertas] enquanto estavam na decolagem”. 

De acordo com o relatório, quando o Hawker se aproximou da pista 22, o jato inesperadamente começou sua decolagem. Neste ponto, um controlador na torre trabalhando na entrega de autorização notou o movimento do Hawker e notificou o controlador da torre na função de operação de tráfego. O controlador da torre imediatamente instruiu a tripulação do Hawker a “parar, manter posição”. Não houve resposta. Novamente, o controlador da torre gritou: “Manter sua posição, parar”, ao que não houve resposta. 

Menos de 2 minutos após o início da sua decolagem não-autorizada, a ponta da asa esquerda do Hawker atingiu a empenagem do Citation.  

Ambos os pilotos do Hawker declararam que não viram o Citation até cerca de um segundo antes do impacto e descreveram a sensação como um “baque”.  

O piloto do Citation disse que não viu o Hawker e descreveu o impacto como um “som semelhante ao de um pneu de caminhão estourando”. 

Depois que as aeronaves se chocaram, a tripulação do Hawker continuou a decolagem e imediatamente retornou para pousar na pista 13R. O Citation livrou a pista a pista 13R/31L. 

Um exame pós-acidente revelou danos significativos nas superfícies da asa esquerda e da borda de ataque da asa do Hawker. O Cessna Citation teve danos significativos em sua empenagem, incluindo o cone de cauda, ​​leme e outros elementos estruturais.

Conclusão
Para mim, como fã da aviação executiva por mais de 40 anos, esses acidentes são perturbadores. Este é um “momento Bedford” — alusivo ao acidente em 2014 de um Gulfstream IV que matou sete pessoas [quando o jato decolou com trava do sistema de profundor instalada]? Esses são eventos isolados ou é um problema sistêmico na aviação executiva? 

Em cada caso [cada um dos dois casos citados], os pilotos durante a decolagem foram confrontados com alertas de cabine relacionados a problemas de controle de vôo. Orientações de manuais de aeronaves aprovados ou pessoal de manutenção perspicaz exigiriam que esses pilotos tirassem um tempo para refletir sobre a segurança e a legalidade de seus vôos. 

Em retrospecto, em cada caso, o curso de ação mais seguro teria sido simplesmente livrar a pista, acionar o freio de parqueamento e pegar o QRH ou ligar para um amigo, como um gerente de manutenção ou piloto-chefe”.