Avaliando o “vigor” do advento de reporte de segurança na aviação executiva, em 06.04.22


O articulista de segurança operacional da AIN Stuart “Kipp” Lau postou, no dia 01/04, texto intitulado “Assessing the Health of Safety Reporting in Business Aviation” (ou “Avaliando o vigor/saúde de reporte de segurança na aviação executiva”).

Kipp inicia o artigo escrevendo que reporte de segurança na aviação tem um longo histórico, No EUA, o conceito de reportes de segurança voluntários data dos anos 1970 com a apresentação do programa da NASA denominado ASRS – Aviation Safety Reporting System (ou sistema de reporte de segurança da aviação). Hoje, com a adoção de modernos sistemas de gerenciamento de segurança (SMS – Safety Management System) e outros programas e inciativas de segurança operacional voluntárias, há mais oportunidades para pilotos e outros agentes para o reporte de riscos/perigos contra segurança, discorre Kipp.

“O ASRS-NASA é um sistema de reporte voluntário, confidencial e não punitivo que recebe relatórios de segurança de pilotos, controladores de tráfego aéreo, tripulação de cabine, operações terrestres, despacho e manutenção”, disse Becky Hooey, diretora do ASRS da NASA. O crescimento do sistema foi impressionante, pontua Kipp. De acordo com Hooey, “O ASRS-NASA recebeu mais de 1,8 milhões de reportes de segurança desde seu início em 1976. Comparado com o primeiro ano de existência, quando foram recebidos cerca de 100 reportes, a entrada de reportes no ASRS cresceu aproximadamente mil vezes, com a apresentação de 108.000 reportes anuais em 2019, o ano de maior volume da história”.

Hoje, cerca de 20% de todos os reportes ASRS-NASA são apresentados por pilotos da aviação geral.

Na avaliação de Kipp, nas últimas duas décadas, muitos operadores da aviação executiva no EUA implementaram voluntariamente SMS e Programas de Ação de Segurança da Aviação (ASAP – Aviation Safety Action Program) para coletar informações críticas/essenciais de segurança dos pilotos; muitas vezes esses relatórios são inseridos no ASRS da NASA. Além disso, existem agora mais de 20 operadores corporativos/empresariais participando da Análise e Compartilhamento de Informações de Segurança da Aviação (ASIAS – Aviation Safety Information Analysis and Sharing), da FAA, que agrega dados de segurança de fontes como gráficos de radar de cintrole de tráfego aéreo (ATC), dados de vôo e iniciativas do tipo ASAP para melhorar o Sistema Nacional de Espaço Aéreo (NAS – National Airspace System) americano.

Conforme avaliação de Kipp, a coleta de informações de agentes na atuação na “linha de frente”, a análise desses dados e o compartilhamento desses dados e resultados são fundamentais para um programa proativo moderno de segurança da aviação. Um SMS saudável depende em grande parte do relatório de perigos e de outras fontes de dados para reduzir o risco operacional. As métricas de relatórios de segurança são um forte indicador de um SMS eficaz: um número elevado de relatórios é indicativo de uma boa cultura de reporte de segurança. Uma medida melhor de um SMS eficaz é como essas organizações promovem a segurança compartilhando informações de relatórios de segurança interna e externamente com outros operadores.

Para obter uma medida do vigor – um “pulso da saúde” – dos reportes de segurança operacional na aviação executiva, a mídia AIN pesquisou vários profissionais de segurança envolvidos neste segmento do transporte. Entre eles membros do ASRS da NASA, da Fundação de Segurança de Vôo Fretado (ACSF – Air Charter Safety Foundation) e dois especialistas em implementação e treinamento de SMS – a Baldwin Aviation e a Wyvern. O sentimento geral sobre a atual prática de reportes de segurança na aviação executiva foi misto.

De acordo com o presidente da ACSF, Bryan Burns, “a cultura de reporte na aviação executiva em geral é forte”. Um exemplo dessa força é a quantidade de participação no ASAP baseado da organização (ACSF). Burns acrescenta: “Com mais de 200 membros participando do ASAP, esperamos ver diferenças nas culturas de relatórios, com alguns operadores sendo mais ativos do que outros. Sempre gostamos de ver mais relatórios, mas sentimos que nossos membros adotaram a cultura de reportes abertos que melhora a segurança em suas operações”, fala Burns.

Outras organizações, como a Wyvern, provedora de gerenciamento de riscos de segurança e de treinamento, observaram um aumento recente nos reportes de segurança. “Geralmente, vemos o vigor geral da cultura de reportes no segmento de fretamento e executivo como saudável e melhorando”, disse o COO da Wyvern, Andrew Day, para prosseguir: “Com os desafios adicionais que o Covid-19 trouxe nos últimos 24 meses, esse fator parece ter levado a um uso muito maior do sistema de relatórios de perigo, gerando um uso mais generalizado (não-Covid) do sistema HAZREP [um reporte de perigo por padrão Wyvern] por membros de tripulação. HAZREPs significativos estão aumentando em todo o setor, o que é indicativo de uma cultura de relatórios aprimorada”.

Observando uma diferença na comunicação e compartilhamento de informações de segurança entre as cias. aéreas e os operadores de aviação executiva, o presidente da Baldwin Aviation, Don Baldwin, disse: “As cias. aéreas têm sido muito bem-sucedidas com relatórios e compartilhamento por meio da ASIAS. A aviação executiva é um pouco diferente, pois muitos hesitam em compartilhar suas informações, mas adoram ver [reportes de] terceiros”. A Baldwin Aviation identificou outros desafios, acrescentou Don: “Se eles compartilham, os operadores de aviação executiva normalmente precisam superar barreiras internas com seus departamentos jurídicos. Muitos estão relutantes em permitir que seus departamentos de aviação participem devido à responsabilidade e à natureza das informações de segurança”.

Nos últimos 24 meses (dois anos), grandes desafios afetaram a comunidade da aviação executiva americana. Duas das questões mais proeminentes foram a pandemia global de Covid-19, e todas a perturbação para a atividade aérea, e o lançamento de da rede 5G pelo setor de telecomunicações, com a questão de possível interferência de rádio-frequência afetando rádio-altímetros e sistemas dependentes de altimetria do RA. E uma questão de segurança adicional – operação Circular em procedimentos de aproximação – surgiu como uma ameaça à segurança de vôo demonstrada em dois acidentes fatais nos últimos 12 meses.

A pandemia de Covid-19 não apenas impactou nossas vidas pessoais, mas também interrompeu muitas operações de aviação. De acordo com Hooey, da NASA, “o ASRS recebeu mais de 2.000 relatórios relacionados ao Covid de todos os aspectos das operações da aviação, incluindo pilotos, controladores de tráfego aéreo, tripulação de cabine, operações terrestres, despachantes e técnicos de manutenção”. A proficiência do piloto, os procedimentos ATC e os níveis de pessoal foram questões comuns relacionadas à pandemia.

Da mesma forma, Wyvern observou um aumento significativo nos relatórios de risco durante a pandemia. De acordo com o diretor sênior de gerenciamento de riscos e gerente de programa de vôo Flight Leader, Alec Blume, “nos últimos 24 meses, houve um aumento significativo na atividade de relatórios de riscos relacionados ao Covid-19, com esses envios sendo o impulsionador de um aumento de 60% na atividade de relatório de risco dentro da base de clientes da Wyvern. É importante notar que muitas organizações realizaram exercícios de gerenciamento de mudanças [MOC – Management-of-Change] relacionados a preocupações externas do Covid-19, com várias organizações mais maduras executando o MOC em contramedidas internas dentro de suas operações”, diz Blume.

“Anedoticamente, vimos reportes de eventos que podem indicar problemas relacionados ao pessoal”, disse Burns, da ACSF, “recência de vôos resultando em habilidades comprometidas e aumento da carga de trabalho, pois o público buscou alternativas para voar às principais cias. aéreas. De certa forma, os impactos da pandemia estão começando a desaparecer à medida que o aumento do vôo trouxe a proficiência da indústria de volta aos níveis pré-pandêmicos”, avalia Burns.

Mais recentemente, especialmente a partir de dezembro, houve muita confusão em torno do lançamento de novas redes 5G das operadoras de telecomunicações Verizon e da AT&T e seu impacto potencial na segurança da aviação. Ironicamente, houve poucos reportes de problemas pela rede 5G, de acordo com a ACSF e a Baldwin Aviation. “Houve alguma atividade de HAZREP recente relacionada ao lançamento da 5G Banda C”, disse Blume, da Wyvern, “mais relacionada às frequentes mudanças de NOTAM. Todos os riscos 5G ocorreram dentro do EUA, com zero riscos 5G de clientes fora do EUA”.

Em julho de 2021, um jato executivo do transporte privado Bombardier Challenger 605 caiu perto do Aeroporto Truckee-Tahoe (KTRK), em Truckee, na Califórnia, durante aproximação – em manobra de “circular para pousar”, para ingresso em um circuito de tráfego, a partir de um procedimento de aproximação por instrumentos. Os seis ocupantes – dois pilotos e quatro passageiros – morreram no acidente – da perda de controle em vôo numa curva para interceptar a Final. Cinco meses depois, no final de dezembro, um acidente com um Learjet 35Ade operador aeromédico matou todos os quatro ocupantes (dois pilotos e dois técnicos-médicos) no aeroporto Gillespie Field (KSEE), em El Cajon, na Califórnia; os pilotos tentaram uma aproximação com circuito de tráfego visual, noturna em condição de visibilidade reduzida (após cancelamento de plano IFR) exigindo uma manobra de curva-base, que foi executada em direção a um morro, lateralmente à Final. A manobra de circular no procedimento de aproximação IFR para outra pista era proibida em período noturno, e a tripulação por isso cancelou o Plano IFR para a operação em outra pista intencionada.

Cada um dos dois acidentes está com status de investigação “ativa” pelo NTSB. Embora os relatórios finais de cada acidente não tenham sido emitidos, e estejam para ser publicados em meses, a manobra circular em procedimento de aproximação tornou-se agora um tópico importante na comunidade da aviação executiva. Grande parte de conversas se concentra não apenas nas nuances da manobra, mas também, segundo alguns relatos, em como a manobra circular é treinada e as limitações dos simuladores de vôo.

“Como resultado de recentes acidentes relacionados com aproximação circular [Truckee, Gillespie], muitos operadores colaboraram através da Wyvern para perguntar o que outros estão fazendo para mitigar o risco relacionado a essa manobra de alto risco, mas realizada com pouca frequência”, disse Day. “Algum compartilhamento de cenários de treinamento de tripulantes específicos concebidos para melhorar a proficiência de pilotos foi implementado, bem como uma revisão das modificações da ferramenta de análise de risco de vôo interno [FRAT – Flight Risk Analysis Tool] para incorporar uma identificação e controle de risco relacionado a aeroportos/aproximações que são determinadas a representar um maior risco do que o normal”, fala Day.

Kipp destaca que na aviação, há muito a ser aprendido do compartilhamento de informações entre operadores. Isto é especialmente importante para operadores menores com baixo número de ciclos de vôo, tais como um departamento de vôo corporativo ou um operador de fretamento.

Kipp avalia que o ASRS-NASA é uma grande fonte de informação.

De acordo com Hooey, diretora do ASRS da NASA, “uma das características únicas do ASRS da NASA é a capacidade de compartilhar amplamente relatórios de segurança dentro da comunidade da aviação. Os relatórios que são enviados ao ASRS da NASA são primeiramente desidentificados para proteger a identidade do autor do reporte e, em seguida, são compartilhados de várias maneiras, incluindo o Boletim de Alerta de Segurança e Avisos de Informação ASRS. Estes são distribuídos para a FAA, fabricantes de equipamentos, gerentes ASAP e grupos como a NBAA para serem compartilhados com seus membros”.

Ainda segundo Hooey, “em 2021, o ASRS da NASA emitiu 215 Boletins de Alerta de Segurança-Avisos de Informação, incluindo tópicos como problemas de iluminação e sinalização de aeroportos, mau funcionamento de aeronaves e equipamentos, confusões de navegação e cartas, anomalias de aviônicos e muito mais”. E ainda segundo Hooey, “nos últimos 10 anos, mais de 180 dos Boletins de Alerta de Segurança-Avisos de Informação que a NASA publicou foram baseados em reportes enviados pela comunidade da aviação executiva”.

Além disso, a NASA publica o “Callback” (“chamda de retorno”), seu popular boletim mensal que é apresentado em um formato de lições aprendidas.

O banco de dados ASRS da NASA é “aberto” e de acesso para consulta pública. “O ASRS-NASA insere todos os relatórios totalmente desidentificados em um banco de dados disponível publicamente, onde os operadores podem pesquisar tópicos de interesse”, acrescentou Hooey. “Por exemplo, pode-se pesquisar reportes sobre uma marca/modelo de aeronave específico, perigos experimentados em um determinado aeroporto ou fatores que contribuem para incidentes como fadiga, má gestão de recursos da tripulação e perda de consciência situacional”, exemplifica Hooey.

Além do ASRS da NASA, Don Baldwin aponta: “Existem várias opções, sendo o ASRS o mais popular e depois o ASIAS. Várias associações regionais iniciaram seus próprios programas de compartilhamento dos quais as empresas membros podem participar. No mundo do transporte PART-91, existem alguns grupos regionais de segurança que se reúnem regularmente para compartilhar informações de segurança”.

Os operadores que participam de programas ASAP aprovados pela FAA e programas de garantia de qualidade operacional de voo (FOQA – Flight Operational Quality Assurance) podem participar das reuniões ASIAS e bianuais do FAA InfoShare (ie, compartilhamento de informação).

De acordo com Burns, da ACSF, “as reuniões do InfoShare são um ótimo local para aprender com as experiências de outros operadores. A pandemia afetou a capacidade de participar desses eventos presenciais, mas esperamos poder retornar a esses eventos presenciais de forma mais consistente no futuro”. Burns acrescentou que há uma série de outros eventos que valem a pena. “Para todas as operadoras, existem diversos eventos regionais e nacionais para discutir a segurança. O ACSF Safety Symposium [simpósio de segurança], o Business Aviation Safety Roundtable [mesa-redonda de segurança da aviação executiva], o Bombardier Safety Standdown [painel de segurança], o Flight Safety Foundation/FSF Business Aviation Safety Summit [seminário de segurança da aviação executiva da FSF], e o NBAA Safety National Safety Forum [fórum nacional de segurança da NBAA], são apenas algumas das excelentes oportunidades para conversar com as principais mentes de segurança em nossa indústria”, aponta Burns.

Além desses eventos mais formais, alguns provedores de serviços de SMS compartilham informações agregadas entre sua base de usuários. “Os programas da Wyvern Wingman e Flight Leader fornecem um ambiente saudável para facilitar a polinização cruzada de informações agregadas de perigos”, disse Blume, “bem como as melhores práticas do setor de experiências individuais dos operadores. Essa transferência significativa de conhecimento parece estar aumentando em todo o setor”.

De uma visão de 35.000 pés, a maioria dos profissionais de segurança está satisfeita com o nível de reportes na aviação executiva, mas, por natureza, esses profissionais têm um desconforto crônico. Como disse o COO da Wyvern, Andrew Day, “no geral, o estado dos reportes de perigo nos segmentos de fretamento e executivo é razoável mas, como todas as coisas relativas ao SMS, pode ser melhorado. Uma área que parece ter tido um impacto positivo no aumento da notificação de perigo é o uso mais frequente de ferramentas de debriefing pós-vôo. Essas ferramentas ajudaram a direcionar tripulantes para o sistema de reportes de perigo, o que ajuda a quebrar a barreira da carga de trabalho”.

Kipp encerra seu artigo com uma posição do presidente da ACSF, Bryan Burns: “Como todos sabemos, sempre há espaço para melhorias quando se trata de segurança. Uma das principais áreas que podemos melhorar como uma indústria é a adoção voluntária de sistemas de gerenciamento de segurança, e programas ASAP e FDM [Flight Data Management – gerenciamento de dados de vôo] para alimentar dados nesses SMS. Como indústria, precisamos continuar nossos esforços para educar, incentivar e apoiar as operações sem SMS para abraçar o valor desses programas”. [EL] – c/ fontes