“Arremetida mentalizada”, por Stuart “Kipp” Lau, em 07.05.22


No dia 29, o articulista de segurança da mídia de aviação AIN, Stuart “Kipp” Lau, postou artigo abordando o assunto arremetida (Go around), intitulado “Go-around Minded” (ou, mentalizando arremetida, ou arremetida mentalizada).

“Kipp” inicia o artigo apontando que falha dos pilotos em reconhecer a necessidade e executar uma arremetida é uma ameaça à segurança de vôo e tem sido uma das principais causas de acidentes de aproximação e pouso. Segundo “Kipp”, problema mais desconcertante quanto à prática de arremetida é que os pilotos raramente realizam essa manobra e muitas vezes continuam uma aproximação para o pouso, mesmo que a aproximação seja ou se torne desestabilizada.

Essa decisão de continuar uma aproximação desestabilizada – ao invés de executar uma arremetida – vai contra a orientação do setor, destaca “Kipp”. Especialistas em segurança da aviação sugerem que uma arremetida é a “oportunidade de redefinição” mais eficaz para se livrar de uma condição não recomendável a favor de um piloto pousar com segurança uma aeronave.

De acordo com um estudo da Flight Safety Foundation (FSF) que analisou quase duas décadas de dados, aproximações desestabilizadas ocorrem em 3,5 a 4 % de todos os vôos, mas em apenas 3% são executadas arremetidas. Em outras palavras, as tripulações de vôo falham em 97% de todas as aproximações desestabilizadas. Um quadro intrigante, pontua “Kipp”.

Segundo “Kipp”, em posts anteriores ao longo de últimos três anos, ele explorou muitos aspectos de aproximações desestabilizadas e aproximações perdidas (arremetidas). Estes aspectos incluíram discussão de aspectos psicológicos complexos da continuidade de aproximação desestabilizada, da não-conformidade (não aderência) a SOP (Standart Operational Procedures – Procedimentos Operacionais Padrão), melhores práticas para prevenção de aproximações desestabilizadas e o estabelecimento de políticas e procedimentos para promoção do conceito de aproximação estabilizada e suporte para decisão de arremetida. Adicionalmente, post em julho de 2020 foi um foi um breve estudo de caso de acidente de um Cessna Citation Latitude, onde uma aproximação muito desestabilizada levou a um pouso malfeito e uma excursão de pista, destruindo a aeronave.

Obviamente, uma arremetida a partir de uma aproximação desestabilizada é uma questão complexa, reconhece “Kipp”. Desconsideradas nesta discussão (do artigo) estão as dificuldades da manobra real de arremetida, que podem contribuir para a relutância de um piloto de descontinuar uma aproximação não-estabilizada.

A manobra de arremetida envolve uma sequência altamente coordenada de “chamadas”/avisos (callouts) e ações entre Piloto nos comandos (PF – Pilot Flying) e o Piloto de monitoramento (PM – Pilot Monitoring). O compartilhamento de tarefas entre o PF e o PM (no caso de uma operação de dois pilotos) é o fator mais importante para conduzir uma arremetida. Cada passo da manobra de arremetida deve ser devidamente sequenciado. Além disso, uma arremetida quase sempre ocorre durante um período de alta carga de trabalho, com inúmeras interferências de controle de tráfego aéreo – e potencialmente da meteorologia e do terreno – e pode se tornar mais difícil de gerenciar devido ao “efeito do sobressalto” (efeito de susto).

“Kipp” discorre que o “efeito do sobressalto” (efeito de susto) – startle effect – inclui as respostas físicas e mentais a um estímulo súbito ou inesperado. No caso de uma arremetida, as respostas físicas podem ser automáticas e instantâneas, mas o processo mental é muito mais lento devido ao processamento consciente e avaliação das informações sensoriais.

Durante um estudo intitulado “Airplane State Awareness during Go-Around” (Estado de alerta em aeronave durante arremetida”), a autoridade de investigação francesa BEA examinou acidentes anteriores relacionados a arremetidas e pesquisou 831 pilotos sobre os desafios encontrados durante uma arremetida. Vários desafios foram identificados com alguns temas comuns.

Após a análise de 10 acidentes na fase de arremetida, os aspectos mais comuns foram relacionados com aeronaves relativamente leves com empuxo disponível excessivo e o resultante “momento de ação forte e rápida de ‘nariz’ para cima” – “strong quick-acting nose-up pitching moment”. Também no topo da lista estavam outros problemas de fatores humanos, como monitoramento ativo deficiente pelo PM, como de gerenciamento de recursos de cabine (CRM), gerenciamento de automação (incluindo conscientização de FMA – Flight Management Automation, ou automação de gerenciamento de vôo) e “sensações parasitárias espúrias”, como ilusões somatográficas (com a sensação de excessivo ‘nariz’ para cima).

Os resultados da pesquisa da BEA identificaram dificuldades específicas encontradas durante uma arremetida, como gerenciamento de trajetória de vôo vertical, gerenciamento de automação, controle de trajetória de vôo (pitch), gerenciamento de empuxo e gerenciamento de compensador. Além disso, a BEA citou outras questões de fatores humanos, como CRM – tanto a tomada de decisões quanto o compartilhamento de tarefas – e o enfrentamento da desorientação espacial relacionada à aceleração (como ilusões somatográficas).

O estudo de arremetida da BEA também incluiu testes de simulador, usando os tipos Boeing 777 e Airbus A330, em que foram monitorados e avaliados o desempenho da tripulação durante a fase de arremetida do vôo (simulado). Os testes de simulador consistiram em três cenários de arremetida – arremetida iniciada pelo órgão de controle de tráfego aéreo (ATC) e duas arremetidas iniciadas pela tripulação – pilotadas por 11 tripulações de vôo diferentes totalmente qualificadas. Cada tipo de aeronave exigia de 15 a 16 ações diferentes (exemplos: selecionar TOGA, callout de “go-around”, comandar flapes 10 e etc.) para executar uma arremetida com sucesso.

Das arremetidas executadas nos testes de simulador durante este estudo, nenhuma foi feita com perfeição. Erros comuns foram classificados como erros de callout, interações com ATC, gerenciamento de modo de automação, gerenciamento de empuxo, gerenciamento de configuração da aeronave (flapes e trem de pouso), gerenciamento de trajetória de vôo e/ou erros de operação (pilotagem) manual.

A partir do estudo da BEA, houve algumas recomendações de segurança específicas, como monitoramento aprimorado dos parâmetros primários de vôo (pitch, empuxo e velocidade) pelo PF, monitoramento aprimorado pelo PM e CRM aprimorado durante ambientes de alta carga de trabalho.

Trabalho de equipe, bom CRM e gerenciamento de trajetória de vôo e gerenciamento de automação/FMA são pontos-chave para uma arremetida bem voada. E tudo começa através de um briefing de aproximação previamente ao TOD (Top of descent) – ponto do vôo de descida do cruzeiro.

No briefing de aproximação, além dos itens normais relacionados à aproximação e pouso, tripulantes devem discutir detalhadamente os procedimentos e avisos-“callouts” relacionados com uma aproximação descontinuada, com manobra de aproximação perdida/arremetida, para incluir ações e expectativas específicas do PF e PM e o uso pretendido da automação. Este briefing fornece uma imagem mental clara da manobra de arremetida e reforça o conceito de estar “preparado” e “mentalizado”.

O início de uma arremetida começa com o aviso-“callout” claro do PF de “Go-around thrust, flaps” (potência de arremetida, flapes) – de um procedimento genérico – e o PM garantindo que o modo de arremetida (GA – Go-around) no FMA esteja ativo, ao empuxo (potência) de arremetida esteja definido e o ajuste/retração de flape seja iniciada. Esse aviso (callout) inicial é importante, pois insere a tripulação para o “modo de arremetida” para iniciar a manobra e ajudará a superar o “efeito do sobressalto” (efeito de susto) – startle effect – dessa situação inesperada.

Uma vez iniciada a arremetida, se tiveram sido obtidas referências visuais na aproximação, o PF deve fazer a transição imediata de volta para operação de vôo IFR.

O papel do PM não pode ser enfatizado o suficiente, pois os avisos-callouts do PM servem como ‘gatilho’s críticos para o PF executar uma ação. Como exemplo, um aviso-callout “razão [de subida] positiva” do PM é seguida de perto por um aviso-callout de “trem de pouso” do PF. Durante toda a manobra de arremetida, o PM deve monitorar a trajetória de vôo da aeronave (energia e trajetória), as indicações adequadas do FMA e fazer outros avisos-callouts importantes. Durante uma manobra de arremetida, o PF muitas vezes pode se concentrar apenas no controle da trajetória de vôo e canalizar nos parâmetros básicos de vôo. Nesse caso, é papel do PM fornecer informações oportunas – em voz alta e clara – para ajudar a expandir a visão do PF para incluir a configuração da aeronave (trem de pouso e flapes), modos de automação, perfis/trajetórias de vôo vertical e lateral, etc.

Para compensar os efeitos negativos de muito empuxo, seja devido a aeronave leve (pouco peso) ou iniciando uma arremetida a uma altitude mais alta (próximo da altitude de aproximação perdida), alguns fabricantes incentivam o uso de uma “arremetida suave” (“soft go-around”) ou aproximação descontinuada (“discontinued approach”). Cada um dos dois conceitos oferece uma opção muito mais controlada para abortar e abandonar uma aproximação e limita as mudanças extremas de arfagem (pitch) e aceleração longitudinal.

Uma “arremetida suave” (“soft go-around”) usa uma configuração de empuxo otimizado ou empuxo de subida (climb thrust) versus empuxo de arremetida empuxo (GA thrust) – tipicamente aplicável a uma aeronave com peso leve, onde a aeronave pode atender ou exceder o gradiente de subida necessário usando uma configuração de menor empuxo aplicado.

Uma aproximação descontinuada (“discontinued approach”) envolve o conceito que uma aproximação foi interrompida e abandonada sem selecionar o regime de potência TOGA. Muitas vezes, isso é recomendado em uma altitude mais alta, geralmente superior a 1.000 pés acima da elevação da pista. Aproximação descontinuada (“discontinued approach”) tira a aeronave de um modo de aproximação e estabiliza a trajetória de vôo selecionando a altitude de espera e uma velocidade segura que seja apropriada para a configuração no momento da manobra. Uma vez estabilizado em vôo nivelado, a tripulação pode selecionar um modo vertical apropriado para subida (ou descida) da aeronave para a altitude atribuída na aproximação ou a altitude de aproximação perdida.

Finalizando o artigo, “Kipp” escreve que é importante notar que uma arremetida é uma possibilidade durante todos os vôos até o momento em que reversores são acionados. Os pilotos devem ter uma mentalização da arremetida e estarem preparados para abandonar qualquer aproximação e, uma vez comprometidos, devem voar a manobra de arremetida completa, por todo o perfil previsto.

Além de uma aproximação desestabilizada, outras razões para a execução de arremetida são distribuídas uniformemente entre meteorologia (nos mínimos de aproximação ou abaixo, rajadas, tesoura do vento, etc.) e arremetidas instruídas por ATC (por conflitos de tráfego).

“Kipp” define que uma arremetida é complexa, para executar a manobra com segurança os pilotos devem ser treinados para fazer arremetidas em qualquer situação e entender completamente os conceitos relacionados à tomada de decisão e ao trabalho em equipe eficaz. [EL] – c/ fontes