Com aporte financeiro governamental, Sukhoi avança numa nova versão atualizada do SSJ-100, com mínimo conteúdo estrangeiro, para superar as restrições da aplicação de sanções econômicas do EUA, em 09.11.21


Dez anos depois que o jato comercial Sukhoi Superjet 100 (SSJ-100) ganhou a certificação Tipo, o governo da Rússia está empenhado em dar uma “nova vida” ao programa, aportando 130 bilhões de Rublos (cerca de US$ 1,83 bi) no desenvolvimento de uma versão do jato com reduzido conteúdo estrangeiro, denominada “Superjet-New”. Metade do valor do aporte se destinará ao programa do motor turbofan PD-8, da indústria russa United Engine Corp. (ODK, ou UEC), que substituirá a motorização original e da atual linha de produção do SSJ-100 PowerJet SAM 146.

O cronograma prevê que a finalização do desenvolvimento do SSJ-NEW em 2022. Tanto o avião quanto o motor ganhariam a certificação um ano depois (em 2023), para entrada em serviço da nova versão, atualizada, em 2024.

A necessidade maior do Superjet-New surge do fato de que a Sukhoi está impedida de vender os SSJ-100 da atual linha de montagem para países sujeitos a sanções econômicas ocidentais.

Hoje, mais da metade do conteúdo industrial de um Superjet (SSJ-100) vem de fora da Rússia. O conteúdo do EUA excede 10%, que é o limite definido pela OFAC – Office of Foreign Assets Control (Escritório de Controle de Ativos/Componentes Estrangeiros). Além disso, o avião carrega algumas tecnologias críticas do EUA em seus sistemas de bordo fornecidos por fornecedores europeus.

A necessidade do Superjet-New surge do fato de que a Sukhoi não pode vender aviões de produção atual para estados afetados por sanções econômicas ocidentais, como Irã e Síria.

Historicamente, o esforço do programa de um jato regional russo, inicialmente designado como RRJ e posteriormente denominado SSJ, de Superjet, surgiu de uma ideia de criar um avião de passageiros competitivo internacionalmente, combinando uma estrutura russa com sistemas ocidentais. A aeronave, portanto, incorporaria o “melhor dos dois mundos”, com a Sukhoi contribuindo com sua vasta e extensa experiência em fuselagem e algoritmos de controle de vôo.

A ideia deu relativamente certo, pois 183 aeronaves já foram montadas até o momento, das quais 154 (84%) permanecem em operação com cerca de 2 milhões de horas de vôo registradas, segundo a fabricante Sukhoi.

O SSJ-100 está em serviço há 10 anos. A maioria jatos concluídos e entregues para operadores aéreos voa com oito cias. aéreas regulares na Rússia e a transportadora mexicana Interjet, além de cinco operadoras governamentais e corporativas. A Irkut aceitou a liderança do projeto ao adquirir o SCAC (Sukhoi Civil Aviation Aircraft) e renomeá-lo como divisão de “Aviação Regional”.

Na realidade, porém, circunstancialmente, a frota ativa é um pouco menor devido ao efeito da pandemia Covid-19 nas cias. aéreas. Por exemplo, a maior operadora do SSJ-100 fora da Rússia cancelou recentemente todos os vôos – a mexicana Interjet chegou a operar 22 jatos SSJ-100B, mas colocando 16 aparelhos parqueados.

Mas, mesmo antes da pandemia, o programa SSJ-100 já passava por dificuldades, nunca alcançando a taxa de fabricação desejada de 60 aeronaves por ano. A produção ‘disparou’ duas vezes, para 36 em 2014 e 33 em 2017. A pandemia reduziu a produção para 18 em 2019, 11 em 2020 e 10 em 2021 – ou seja, 39 aparelhos nos últimos três anos, entre 2019 e até o momento em 2021.

Em julho passado, a United Aircraft Corporation (UAC), subsidiária da Rostec, anunciou que aumentaria a produção do Sukhoi Superjet SSJ-100 para 30 unidades por ano em 2021. E tinha previsão de mais de 180 aeronaves do modelo em serviço até o final do ano.

Embora o SSJ-100 não tenha atraído muito interesse no mercado global, tornou-se popular entre as operadoras russas. O grupo Aeroflot opera 58 aparelhos SSJ-100, a Azimuth e Yamal 15 jatos cada uma, a GazpromAvia opera 10 SSJ-100 e a Red Wings sete jatos.

Nos últimos três anos, a Aeroflot e sua afiliada Rossiya assinaram compromisso para um total de 115 jatos SSJ-100 com entrega prevista para 2027. A Red Wings adicionou 59 e os pedidos firmes da Azimuth para 27 e compromissos “leves” para outros 15.

Enquanto a demanda no mercado interno se mostrou relativamente alta, a demanda internacional foi fraca, mesmo para o que o Ocidente considera “Estados párias”.

Em 2018, a Iran Air Tours e a Iran Aseman assinaram contrato para um total de 40 aviões SSJ-100. Mas a ordem persa estagnou em 2019, depois que o EUA se recusou a conceder à Sukhoi uma liberação de exportação, pesando que mais de 50% do conteúdo industrial de um Superjet (SSJ-100) vem de fora da Rússia, com o conteúdo norte-americano excedendo o limite de 10% pela OFAC.

Para contornar o obstáculo, a Sukhoi propôs o SSJ-100R, que reduziria a participação do conteúdo industrial do EUA a um nível aceitável. Mais tarde, a Sukhoi abandonou o plano em favor de uma versão quase totalmente nacional. Em dezembro de 2020, a Sukhoi se candidatou às autoridades russas da aviação civil com um pedido para realizar a certificação do RRJ-95NEW-100 (também conhecido como Superjet-New), descrevendo a nova versão como uma grande mudança de projeto para a certificação Tipo de 2010.

A KRET Corporation continua trabalhando em aviônicos totalmente nacionais configurando tecnologia de repacotamento desenvolvida para o novo jato de corredor único Irkut MC-21, enquanto o escritório de projeto Ramenskoye desempenha o papel de integrador de sistemas. Como parte do esforço, o escritório de design experimental OKBM, em Voronezh, desenvolveu um módulo de sistema de controle responsável pelas superfícies defletíveis da asa. Os planos indicam que um sistema de controle completamente novo estará pronto em 2022.

Enquanto isso, a parte mais cara e tecnologicamente desafiadora do esforço do Superjet-New reside no motor turbofan PD-8. Para reduzir o tempo e os custos de desenvolvimento, os desenvolvedores decidiram manter a seção fria do motor SAM 146 desenvolvida pela NPO Saturn, em Rybinsk. Ao mesmo tempo, um núcleo de motor russo baseado no motor PD-14 para o MC-21 substituiria o núcleo do motor Snecma DEM.21 do SAM146.

Por causa de sua parceria com a General Electric na CFM, a Snecma não pode produzir independentemente motores com uma faixa de empuxo ocupada pela família CFM-56 e LEAP. Assim, a versão “1S18” de maior empuxo da linha de base do motor SaM146 oferece 17.416 lbf, e equipa a longo alcance “LR” do SSJ-100 introduzida em 2012.

O SSJ-100LR tem um peso bruto de 109.016 lb., em oposição às 101.146 lb. do SSJ100-95B inicial, uma diferença de 7.870 lb. (7,78%), permitindo um alcance de 2.700 MN contra 1.645 MN, uma diferença de 1.055 MN (64%). As duas variantes – “B” e “LR” – compartilham a mesma fuselagem com uma cabine padrão de fábrica para 98, ou 108 passageiros, em um layout de alta densidade.

Uma vez que a NPO Saturn não impõe obrigações quanto à potência do motor, a fabricante planeja produzir PD-8 classificados entre oito e 10 toneladas (8.000 a 10.000 kg, ou 17.620 a 22.220 lb.). Potencialmente, isso daria ao Superjet um aumento adicional no alcance, bem como permitiria uma versão extensível com maior capacidade de passageiros.

O turbofan PD-8 apareceu pela primeira vez na feira aeronáutica e show aéreo russo MAKS 2021, em Moscou, na forma de um gerador de gás experimental. Sua folha de dados lista peso seco em 1.690 kg (3.726 lb.), ou 18 kg a menos do que o SAM146-1S18, e uma melhoria de 3% no consumo específico de combustível em cruzeiro. O PD-8 também fornecerá energia para o anfíbio Beriev Be-200.

Em junho passado, a United Engine Corp. (ODK/UEC) divulgou que a montagem do primeiro núcleo do motor do turbofan PD-8 previsto para equipar a nova versão retrabalhada (sem componentes da indústria ocidental) do SSJ-100. O motor PD-8 completamente nacional (russo) substituirá o motor PowerJet SaM146, que usa um núcleo da Safran e seções frias de fabricação russa. O motor PD-8 usará tecnologias desenvolvidas e testadas no turbofan PD-14, maior, que equipará o novo jato de corretor único Irkut MC-21. À ocasião, a ODK também informou que planejava em breve submeter o novo núcleo do motor a testes de bancada e exibi-lo na feira aeronáutica e show aéreo russo MAKS 2021, por acontecer em Moscou em julho.

A ODK revelou que o PD-8 manterá o conteúdo russo do SaM.146 e, potencialmente, desenvolverá um empuxo maior porque o novo núcleo apresentará uma razão de pressão e temperatura do gás 20% mais alta.

Em 2020, funcionários do ODK anunciaram que os testes com gerador a gás começariam na primavera de 2021, mas até junho estes testes ainda não haviam iniciado.

Antecedendo a divulgação pela ODK, no dia 01 de junho, a agência federal de aviação da Rússia (Rosaviatsiya) divulgou a realização de uma série de reuniões com a autoridade de certificação aeronáutica, de 24 a 28 de maio, em Rybinsk, onde os motores SaM.146s são montados. A reunião culminou com a formação de um comitê de inspeção de maquete (mock-up), que aceitou formalmente o pedido do ODK para a certificação do PD-8.

Numa entrevista transmitida no dia 02, Sergey Chemezov, chefe da empresa estatal russa Rostec, disse que as sanções econômicas já impostas pelo EUA e a ameaça de mais outras sanções levaram os russos a acelerar a conclusão da certificação do motor PD-14 e o desenvolvimento do PD-8. E que, separadamente, fabricantes russas dominaram a fabricação de interiores de aeronaves para substituir os de origem britânica e norte-americana empregados nos modelos SSJ100 e MC-21. “Embora os interiores possam não parecer algo muito importante ou difícil de fazer localmente, o fato é que os temos comprado do Ocidente”, disse Chemezov. “Em breve, ofereceremos aos clientes das companhias aéreas uma solução de acabamento russa, incluindo materiais”, Chemezov revelou. Ainda na entrevista, Chemezov confirmou os planos anteriores de mudar a marca do Superjet “porque parece estranho chamarmos um avião de fabricação russa por nomes e abreviações em inglês”, observou ele.

Mês passado (outubro), a Rostec/United Engine Corporation divulgou que seus engenheiros haviam concluído, com sucesso, os testes do núcleo de um segundo protótipo de núcleo do motor PD-8, para equipar o SSJ-NEW. Os últimos testes confirmaram o funcionamento adequado dos componentes, os parâmetros de temperatura e pressão exigidos e a conformidade com os padrões ambientais.

Segundo recentes reportes, o SSJ-NEW substituirá até 97% dos componentes importados por conteúdo nacional (russo), isso incluindo o novo motor PD-8 e aviônica. E que a certificação Tipo para o SSJ-NEW, com capacidade entre 87 a 98 passageiros, estava planejada para 2023 com as primeiras entregas em 2024.

De acordo com a Rostec, a fase de projeto técnico do sistema de propulsão está concluída, a documentação do projeto para trabalho foi liberada e os protótipos do motor estão sendo fabricados.

A próxima etapa do projeto está prevista para o início do próximo ano e envolverá testes de bancada do primeiro protótipo de motor.

O “núcleo” do motor consiste em um compressor de alta pressão, uma câmara de combustão e uma turbina de alta pressão que aciona o sistema de propulsão.

Os testes do núcleo do motor devem continuar junto com a montagem do protótipo do motor PD-8.

O primeiro vice-CEO da Rostec State Corporation, Vladimir Artyakov disse: “O desenvolvimento do PD-8 é realizado pelo método de desenvolvimento paralelo da seção quente do motor e do compressor, o que permite que o projeto seja implementado em menos tempo. A Rostec State Corporation já concluiu os testes do segundo protótipo do núcleo do motor, que foram bem-sucedidos e confirmaram a adequação da tecnologia utilizada. Agora, a fase de montagem dos protótipos PD-8 já começou, com testes de bancada programados para o início de 2022”.

Yury Shmotin, vice-diretor geral – designer-chefe da UEC (United Engine Corporation), disse: “A confirmação das soluções de design na fase de testes do núcleo do motor é importante para todo o curso de trabalho de certificação no motor PD-8. O plano é testar o núcleo do motor na plataforma de teste de altitude do Instituto Central de Motores de Aviação [CIAM – Central Institute of Aviation Motors] em condições próximas à operação real. Ao mesmo tempo, o compressor será testado como parte de uma unidade autônoma do CIAM para exame e confirmação das características inerentes”, disse Shmotin. [EL] – c/ fontes