Eventos de incursão de pista e decolagem não-autorizada, com erros de pilotos para instruções de controle de tráfego, pelo articulista-colaborador de segurança operacional da mídia AIN on line Stuart “Kipp” Lau, em 05.12.23


Em artigo postado no dia 27 (nov.), intitulado “Wait, Wait, don’t take off!” [Aguarde, aguarde (ou mantenha posição, mantenha posição), não decole], o articulista-colaborador de segurança operacional da mídia AIN on line Stuart “Kipp” Lau tratou de eventos do tipo incursão de pista, motivado pela recente estatística destas ocorrências envolvendo jatos executivos, numa escalada, à medida que as tripulações interpretam mal as instruções de controle de aeródromo de ingresso em pista, alinhamento e manutenção de posição na cabeceira, para aguardar autorização de decolagem.

Lau inicia o texto registrando que a segurança de pista (em solo) tem sido um “tema quente” neste ano, no EUA. Ele escreve que, em verdade, os dados acumulados no ano mostram um aumento no tipo mais grave de incursões de pista – incidentes de Categoria A, em que uma colisão entre duas aeronaves foi evitada por pouco. E que organizações de segurança da aviação, incluindo as autoridades americanas FAA e NTSB, estão preocupadas com o aumento do número de quase colisões, e que muitos agentes do setor da aviação já temem o pior – uma colisão de fato entre aeronaves.

Lau cita que essas preocupações se concretizaram no dia 24 de outubro, na última ocorrência do gênero, quando dois jatos executivos colidiram em solo no Aeroporto Hobby (KHOU), em Houston (Texas-EUA).

Nest evento, segundo Lau, a tripulação de um jato Hawker 850XP em decolagem atingiu um Cessna Citation Mustang que estava pousando numa pista cruzada. Na avaliação de Lau, de forma alarmante, os pilotos do Hawker não seguiram as instruções do ATC (Torre) para “alinhar e esperar” (LUAW – Line Up And Wait) e ignoraram duas instruções, e apelos, do controlador da torre para abortar a corrida de decolagem, antes do impacto. Ambas as aeronaves foram substancialmente danificadas. Felizmente, nenhum dos ocupantes ficou ferido.

De acordo com o relatório preliminar do acidente do NTSB, o controlador da torre instruiu os pilotos do Hawker para “LUAW” na pista 22. Em uma entrevista pós-acidente, os pilotos do Hawker disseram acreditar que haviam sido liberados para a decolagem quando iniciaram a corrida de pista.

O registro de comunicações da FAA indica que, quando o Hawker se aproximou da cabeceira 22, o controlador de solo instruiu os pilotos a monitorar a frequência (principal) da Torre. Pouco antes de chegar na pista 22, as velocidades de referência de decolagem (“V-Speed”) não eram mais exibidas nas telas de informação de vôo, afirmaram os pilotos do Hawker na entrevista pós-acidente.

Pouco depois, o controlador da torre instruiu a tripulação do Hawker para LUAW na pista 22, o que os pilotos cotejaram. O controlador da Torre não forneceu nenhum aviso de tráfego para a tripulação do Hawker, nem era obrigado a fazê-lo.

Neste momento, o Citation Mustang estava em uma Curta final para pouso na pista 13R (que cruza a pista 22). Cada pista (13R e 22) tem 7.602 pés (2.317 m.) de comprimento e a interseção das duas pistas fica aproximadamente na metade da pista 22 (ie. 1.158 m.).

Ao ingressar na pista 22, o Hawker iniciou inesperadamente sua corrida de decolagem. Neste ponto, outro controlador no despacho de liberação de trabalho da Torre notou o movimento do Hawker e notificou o controlador da torre. O controlador da torre imediatamente instruiu a tripulação do Hawker a “parar e manter sua posição”. Não houve resposta. Mais uma vez, o controlador da torre gritou: “Mantenha sua posição, pare”, ao que não houve resposta.

Lau aponta que os pilotos do Hawker podem ter se distraído. Os pilotos afirmaram para a investigação que “eles tinham um alerta de anormalidade de leme e um alerta de trimagem de arfagem que tiveram que resolver durante a corrida de decolagem”. Lau observa que a falta (com o apagamento) das velocidades referencias de decolagem nas telas de informação de vôo e de dois alertas de sistemas da aeronave anunciados sugerem que o jato Hawker não estaria configurado corretamente ou pronto para a decolagem.

Curiosamente, os controladores da Torre notaram o movimento (corrida de decolagem) do Hawker alguns segundos antes do alerta do Equipamento de Detecção de Superfície do Aeroporto (ASDE-X) instalado no aeroporto.

Menos de dois minutos após o início da decolagem não autorizada, a ponta da asa esquerda do Hawker atingiu a empenagem do Citation Mustang. Os dois pilotos do Hawker afirmaram que não viram o Citation Mustang até cerca de um segundo antes do impacto e descreveram a sensação da colisão como um “baque”. O piloto do Citation Mustang afirmou que simplesmente não viu o Hawker e descreveu o impacto como um “som semelhante ao de um pneu de caminhão estourando”.

Depois que as aeronaves contaram (colidiram), a tripulação do Hawker continuou a decolagem para na sequência regressar imediatamente para o Hobby (KHOU), pousando na pista 13R. O Citation livrou a pista (04/22).

Um exame pós-acidente revelou danos significativos na asa esquerda do Hawker, na superfície do bordo de ataque da asa. O Citation teve danos significativos em sua empenagem, incluindo o cone de cauda, leme e outros elementos estruturais.

No blog:
https://aib-el.com.br/jatos-executivos-hawker-850xp-em-decolagem-e-cessna-citation-mustang-na-rolagem-de-pista-apos-pouso-em-pistas-cruzadas-colidem-em-solo-em-aeroporto-de-houston-eua-em-04-12-23/

Lau então cita evento anterior. Oito meses antes da colisão em outubro em Houston (KHOU), em 27 de fevereiro, outro jato executivo – um Learjet 60 – decolou da pista 09, sem autorização de decolagem, no Aeroporto Internacional Logan (KBOS), em Boston. Neste caso, a tripulação de um jato comercial EMBRAER 190 da JetBlue, quase pousando na pista 04R cruzada, evitou um “desastre” iniciando uma arremetida enquanto sobrevoava a interseção das pistas 04R e 09  para evitar o Learjet 60 que iniciava sua decolagem não-autorizada cruzando da pista 09. As aeronaves passaram a 30 pés (9 m.) uma da outra.

De acordo com o relatório de investigação do NTSB, o controlador da Torre do “Logan” (KBOS) instruiu a tripulação do Learjet para “LUAW” na pista 09, enquanto a tripulação da JetBlue havia sido autorizada para pouso na pista 04R. O sistema ASDE-X alertou pessoal da Torre sobre o conflito iminente e o controlador emitiu instruções de arremetida para a tripulação do EJet da JetBlue. Os pilotos da JetBlue iniciaram a arremetida durante o flare (arredondamento) de pouso, antes de chegar no cruzamento da pista 04R com a pista 09.

Os pilotos do EJet da JetBlue lembraram-se de ter ouvido instruções de controlador para uma aeronave – para LUAW – na pista 09 e, em seguida, avistaram uma aeronave cruzar a sua frente, movendo-se da esquerda para a direita, antes deles comandarem a arremetida, já no flare.

De acordo com o comandante do Learjet, ele “ouviu uma autorização que parecia ser alinhar e aguardar, e ele respondeu para essa autorização, “mas na sua cabeça, eles estavam autorizados para a decolagem”. O cmte. acrescentou que eles decolaram e, durante o cruzeiro, receberam uma mensagem do órgão de controle (ATC) com um número de telefone para ligar ao pousar no destino. Após o pouso, pessoal da Torre do “Logan” (KBOS) informou aos pilotos do Learjet que eles haviam decolado sem autorização, forçando um outro avião a uma arremetida.

Durante uma entrevista subsequente com o NTSB, o comandante do Learjet disse: “Não consigo entender o que aconteceu comigo durante a autorização. A única coisa que me vem à mente é que o frio em Boston me afetou … eu não estava me sentindo muito bem e estava com congestionamento nasal”. Por alguma razão, tanto ele quanto o seu copiloto pensaram que estavam autorizados para a decolagem. 

No blog:
https://aib-el.com.br/evento-de-incursao-de-pista-seguida-de-decolagem-nao-autorizada-de-um-learjet-60-simultaneamente-ao-pouso-de-um-embraer-e190-em-pista-cruzada-no-aeroporto-de-boston-eua-resultando-perda-de-separac/

LUAW – Line Up and Wait
Numa segunda parte do artigo, Lau discorre sobre a instrução de controle de tráfego aéreo de aeródromo LUAW, de Line Up And Wait (ou alinhar e aguardar/manter posição, até a autorização de decolagem).

Lau escreve que a FAA adotou na fraseologia aeronáutica a expressão “line up and wait” (alinhar e aguardar) em setembro de 2010. Estas palavras substituíram “position and hold” (posicionar e segurar posição) para se alinhar com as normas da ICAO. Isto foi em resposta a uma recomendação do NTSB para ajudar a reduzir o número de incursões nas pistas que podem ter contribuído para diferenças na terminologia.

Segundo Lau, de acordo com a FAA, a instrução “LUAW” é um procedimento de controle de tráfego aéreo projetado para posicionar uma aeronave na pista para decolagem imediata. A instrução para “LUAW” é usada para instruir um piloto a taxiar na pista da decolagem, alinhar na pista e aguardar, e não decolar.

Lau destaca que, freqüentemente, um piloto é instruído para “LUAW” e avisado sobre um motivo ou condição, como esteira de turbulência ou tráfego em uma pista de interseção. Uma vez satisfeita essa razão ou condição, os pilotos deverão esperar uma autorização imediata de decolagem, a menos que sejam avisados de um atraso. Se um piloto não tiver certeza sobre qualquer autorização ou instrução do ATC, deverá entrar em contato com o ATC imediatamente. Da mesma forma, se a autorização de decolagem não for emitida em um período de tempo razoável (90 segundos – 01m30s), o piloto deverá consultar o ATC.

A análise da FAA de acidentes e incidentes envolvendo aeronaves mantendo posição numa pista (pouso-decolagem) indica que, com 2 minutos ou mais decorridos entre o momento da instrução ATC para “LUAW”, o evento resultante é provavelmente um “land-over” (pouso por cima) ou uma arremetida.

Lau aponta que a FAA sugere que a consciência situacional pode ser melhorada durante as operações de “LUAW” se os pilotos monitorarem as instruções/autorizações ATC emitidas para outras aeronaves. Lau indica que os pilotos também devem ouvir atentamente se outra aeronave estiver em uma frequência com indicativo semelhante e prestar muita atenção às comunicações entre o ATC e outras aeronaves.

Lau também recomenda para pilotos para a adoção de cuidados para a não-execução inadvertidamente de uma autorização ou instrução dada para uma outra aeronave que não a sua. Indicativos de aeronaves com som da pronúncia semelhante são um problema.

De acordo com Lau, os pilotos devem sempre examinar toda a extensão da pista em busca de tráfego antes de taxiar ou cruzar uma pista. Isto é especialmente crítico durante as operações “LUAW” à noite ou em condições de visibilidade reduzida.

Lau lembra pilotos de tornar sua aeronave visível para o ATC e outras aeronaves. Se autorizado para “LUAW”, Lau indica o acionamento de todas as luzes externas da aeronave, exceto as luzes de decolagem/pouso.

Em aeroportos maiores, quando duas ou mais pistas estão ativas, as aeronaves podem ser instruídas para “LUAW” em pistas distintas. Lau recomenda que pilotos atentem para as informações – “ouçam!”. Segundo Lau, a FAA aconselha pilotos a ouvir atentamente o indicativo e designação da pista. Lau recomenda a pilotos o alerta para indicativos com sons semelhantes, e que pilotos devem sempre confirmar instruções com seu indicativo completo. E que, em caso de dúvida, pilotos devem solicitar esclarecimentos ao ATC.

Segundo Lau, um ATC é obrigado a informar as aeronaves mantendo posição para aeronave mais próxima dentro de 6 milhas (9,65 km – 5,2 MN) em vôo na aproximação para a mesma pista – não cruzando as pistas. Os pilotos devem tomar cuidado para anotar a posição do tráfego de pouso. O ATC também deverá avisar o tráfego de pouso quando uma aeronave for autorizada a realizar “LUAW” na mesma pista.

Lau finaliza o seu artigo escrevendo que incursões de pista são uma ameaça à segurança da aviação. Ele destaca que, no início deste ano, abordou muitos dos fundamentos em um blog que apoia o planejamento, a comunicação e a coordenação necessários para evitar incursões de pista. Incidentes recentes sugerem que, como indústria, há um “longo caminho a percorrer”. [EL]