Governo russo vê o Oriente Médio como um mercado importante para novos produtos da aeronáutica civil russa, em 09.11.21

A United Aircraft viabilizou a remotorização do novo jato comercial de corredor único Irkut MC-21, do turbofan Pratt & Whitney originalmente previsto no programa para o turbofan PD-14, da indústria russa Rostec/United Engine Corporation (ex- Aviadvigatel), numa reação à restrição de mercado por sanções econômicas cada vez mais rígidas impostas pelo EUA.
O governo russo vê o Oriente Médio como um mercado importante para novos produtos da aeronáutica civil russa, como o bimotor turboélice Ilyushin IL-114-300 e os jatos do transporte comercial Irkut MC-21-310 e o Sukhoi Superjet 100 “retrabalhado”. Até agora, no entanto, as vendas na região envolveram apenas aeronaves militares, enquanto todas as tentativas de campanha no setor de aviação comercial fracassaram completamente ou deram poucos frutos.
Realisticamente, nos próximos anos, o governo russo só pode esperar vendas para países do Oriente Médio já sob sanções econômicas com o Ocidente, como Irã e Síria. Enquanto isso, as sanções dos EUA contra a Rússia efetivamente estimularam o comércio entre Moscou e Teerã e Damasco.
No passado não tão recente, a Rússia empreendeu uma série de tentativas para vender aeronaves comerciais da sua indústria para cias. aéreas no Irã, começando com os jatos de passageiros Tupolev TU-334, de 102 assentos, e TU-204, de 210 assentos, mas as operadoras locais preferiram comprar aviões ocidentais usados através da Ucrânia.
Mais recentemente, o Kremlin se esforçou para comercializar o Superjet 100 (SSJ-100). Vários ministros pressionaram fortemente pelo produto ao visitar Teerã para negociações sobre a questão nuclear e promoção do comércio mútuo por meio de “petróleo por mercadorias” e esquemas de troca semelhantes.
Infelizmente, os fornecedores europeus, muitos dos quais participando do programa Superjet, não gostaram da idéia por temer uma possível reação do EUA aos seus componentes indo para o Irã como parte do produto final. Isso encorajou Moscou a acelerar seu programa de “substituição de importações” para reduzir a sua dependência (da indústria de aeronaves russa) por componentes e sistemas da indústria ocidental.
Em vez do turbofan PowerJet SaM.146 com o núcleo Safran DEM.21, do projeto original do jato regional SSJ-100, uma nova versão do modelo, “retrabalhada”, o “SSJ-NEW”, agora em desenvolvimento, contará com novo turbofan Aviadvigatel PD-8, projetado e fabricado localmente. Esse novo motor foi exibido pela primeira vez em julho passado na ferira aeronáutica russa MAKS, que acontece anualmente em Moscou, mesmo enquanto novos casos de Covid-19 surgiam.
A pandemia reduziu o interesse e a capacidade do Irã de comprar máquinas da Rússia, mas como os dois países combatem o vírus com vacinas caseiras, os dois retomaram as negociações comerciais.
Ebrahim Raesi, o recém-eleito presidente do Irã, promete acelerar o desenvolvimento do comércio com a Rússia e a China, enquanto culpa o governo Rouhani, anterior, por confiar demais no Ocidente. Mesmo que o presidente do EUA, Joe Biden, queira restaurar o EUA como membro do acordo nuclear com o Irã, um retorno aos acordos Airbus/ATR/Boeing assinados cinco anos atrás não parece possível devido à visão de Teerã do Ocidente coletivo como um “parceiro não confiável”.
A situação deu aos produtos aeroespaciais russos uma nova chance no Irã, desde que o esquema de troca “petróleo por mercadoria” acordado anteriormente encontre seu caminho na prática diária. Sem ele, o Irã não poderá pagar, já que as sanções econômicas do EUA privaram o país de US$ 100 bilhões de receita nos últimos quatro anos.
Substituir a frota atual – uma mistura de modelos desatualizadas – por uma combinação do bimotor turboélice IL-114, de 64 assentos, e do jato regional SSJ-100 (ou “SSJ-NEW”), de até 100 assentos, poderia impulsionar o tráfego aéreo doméstico iraniano, enquanto o Irkut MC-21-310, de 160 assentos, mantém uma janela aberto para serviço para o exterior. Isso constitui a essência da oferta russa.
A China poderia oferecer concorrência com uma oferta de produtos da sua indústria aeronáutica, como o bimotor turboélice MA-600, o jato regional ARJ-21 e o jato de corredor único/fuselagem estreita (narrowbody) C919 (ora em campanha de certificação).
Todos esses modelos, no entanto, utilizam tecnologia e conteúdo de importação norte-americana, inclusive motores e aviônicos, o que diante da atual situação geopolítica parece um obstáculo intransponível. Politicamente, a melhor solução para o Irã envolveria um produto sino-russo conjunto, como o futuro jato widebody CR929; no entanto, esse modelo parece grande demais para as necessidades iranianas e é improvável que esteja disponível em números valiosos antes de 2030.
Hoje, o principal desafio para a indústria aeroespacial russa está centrada na disponibilidade oportuna de produtos totalmente nacionais com desempenho técnico e preço aceitável. Isso abrirá uma janela de oportunidade para vendê-los a operadoras locais e Estados párias, que parecem um mercado grande o suficiente para começar. Caso os produtos russos cheguem atrasados, suas vendas podem sofrer com a disponibilidade de mercadorias chinesas semelhantes, com preços ao lado de Pequim. Esse cenário já aconteceu no mercado de aviação militar, com aeronaves tripuladas e não tripuladas chinesas desafiando com sucesso as russas em vários países árabes.
Nos principais programas de “substituição de conteúdo importado” na aviação civil, a indústria aeroespacial russa permanece vários anos à frente da China, no entanto.
Além dos programas de aviões comerciais mencionados, a Rússia decidiu recentemente substituir os motores franceses dos helicópteros Ka-62, Ansat e Ka-226T pelos turboeixos Klimov VK1500, VK800 e VK650, respectivamente. A mudança aumenta suas perspectivas de vendas no Irã, especialmente para o Ka-226T, cujos embarques para a Síria começaram recentemente. O Irã já opera a série maior Mi-8/17 e já considerou o Ansat, mas sua produção atual com turboeixos Pratt & Whitney PW207K impediu qualquer venda.
A Rússia também poderia obter algumas vendas da exportação do jato Ilyushin IL-96, além daquelas para Cuba. Embora o IL-96-300 da linha de base tenha entrado em serviço em 1988, o modelo quadrimotor continua sendo o único transporte de passageiros de grande porte atualmente em produção fora do Ocidente. O governo russo não só continuou encomendando novos IL-96-300, mas também comprou e financiou o reaparelhamento de fuselagens de segunda mão para pressionar a volta ao serviço e reduzir a dependência da Rússia de aviões da Boeing e da Airbus importados em vista das sanções econômicas cada vez mais severas do EUA e seus parceiros europeus aplicadas contra Moscou.
O presidente Putin costumava voar para o Oriente Médio em um jato quadrimotor luxuosamente mobiliado e aproveitava todas as oportunidades para mostrar o avião no destino. Em poucas ocasiões, recebeu convidados estrangeiros de alto escalão, incluindo o presidente turco Erdogan em 2019.
No próximo ano, o IL-96-400M, com um alongamento de fuselagem de 30 pés (9,1 m.), iniciará testes de vôo. Para frente, já há planos para o avião ser convertido para uma variante bimotor, por meio da substituição de seus quatro Aviadvigatel PS-90A (motores já desatualizados) por um dois turbofans modernos PD-35. De acordo com os planos atuais, o turbofan PD-35 estará disponível em 2025 ou 2026, com a primeira aplicação no IL-96 e, em seguida, no CR929. Assim, as nações que não podem comprar transportes de grande porte do Ocidente poderão obtê-los do Oriente, na estratégia e perspectiva do governo russo. [EL] – c/ fontes