Grupo ambiental EDF publica estudo apontando o potencial do e-Fuel no EUA – com o centro-oeste americano como um futuro viveiro de produção de SAF, em 29.11.24
Um novo artigo divulgado pelo EDF – Environmental Defense Fund (Fundo de Defesa do Ambiente), mostra o potencial do combustível de aviação sustentável (SAF) de segunda geração produzido a partir de CO2, água e eletricidade renovável (e-fuel), descrevendo-o como “uma enorme oportunidade econômica e climática para o EUA”.
O trabalho tem título “Intermittent production of electricity-based synthetic jet fuel as a demand-side management strategy for grid decarbonization” – Produção intermitente de combustível sintético para jatos à base de eletricidade como uma estratégia de gestão da demanda para descarbonização da rede”:
https://blogs.edf.org/energyexchange/wp-content/blogs.dir/38/files//Intermittent-production-PtL-jet-fuel-grid-DSM-19NOV24.pdf
O trabalho é assinado por Glenda Chen, de Raleigh, Carolina do Norte (EUA), pela EDF, por Oleg Lugovoy, consultor e pesquisador americano independente, por Pedro Piris-Cabezas em Madri/Espanha, pela EDF, e por Anna Stratton, da Fundação ClimateWorks, de Madri/Espanha.
O SAF é considerado uma das melhores opções de curto prazo para a aviação atingir suas metas de redução de emissões, mas o “caminho”, ou “rota” – matéria-prima e processo de produção – pesa muito em seus benefícios sobre o combustível de aviação convencional.
A chave, observou o estudo da EDF, está na eletricidade. Quando o combustível sustentável é obtido do excesso de energia renovável e o componente de carbono vem do CO2 residual de outros processos industriais, os fabricantes podem produzir SAF limpo e acessível. O EDF estima que quando os e-combustíveis são produzidos em um mercado de eletricidade orientado pela oferta, os custos podem ser reduzidos pela metade em comparação com as estimativas convencionais.
Os autores do artigo acreditam que haverá eletricidade renovável excedente suficiente no EUA para atender à maioria, se não a toda, a demanda de combustível de aviação com e-fuels (e-combustíveis) no período de 2050.
Com centenas de plantas produzindo etanol no centro-oeste, seus resíduos de CO2 combinados com a abundante energia renovável da região podem ser responsáveis pela maior parte dos 3 bilhões de galões (11,37 bilhões de litros) de SAF por ano até 2030, conforme solicitado no programa de governo SAF Grand Challenge, lançado pela administração Biden, afirmou o relatório.
“Ao casar o CO2 de plantas locais de etanol com o excedente de eletricidade renovável, o EUA tem o potencial de produzir alguns dos combustíveis de aviação mais baratos e sustentáveis do mercado, ao mesmo tempo em que fazem a economia do país crescer, atendem às metas climáticas e aceleram a transição energética”, disse Pedro Piris-Cabezas, diretor sênior de transporte global da EDF e um dos autores do estudo. “Os formuladores de políticas estaduais e federais têm um papel crítico a desempenhar no apoio ao crescimento desta nova e empolgante indústria”, completa Piris-Cabezas.
O relatório publicado pelo EDF vem enquanto o Departamento do Tesouro do EUA deve emitir orientações sobre o Crédito de Produção de Combustível Limpo “45Z”, um incentivo fiscal para a produção doméstica de combustíveis de transporte limpos, que pode fornecer um crédito de até US$ 1,75 por galão de combustível com base em sua intensidade de carbono.
“Os formuladores de políticas federais devem dar aos e-combustíveis uma chance de competir em igualdade de condições com outros combustíveis alternativos, protegendo as salvaguardas escritas no IRA que garantem que apenas combustíveis de aviação sustentáveis de alta integridade recebam subsídios generosos dos contribuintes”, prossegue Piris-Cabezas. “Ao nutrir uma indústria de e-combustíveis do centro-oeste, o EUA pode atrair a demanda global por um produto feito na América e garantir sua posição como líder internacional em aviação sustentável”, emenda Piris-Cabezas.
Resumo
A energia renovável variável (VRE – Variable renewable energy) está prestes a se tornar uma “pedra angular” no esforço para atingir as metas de mitigação das mudanças climáticas em toda a economia. No entanto, enquanto está avançando para veículos terrestres, a eletrificação do transporte continua desafiadora para a aviação de longo curso. Neste setor difícil de mitigações de emissões, a política e a pesquisa se concentram na produção de combustíveis drop-in (troca pura) compatíveis com a tecnologia de aeronaves existente. Embora o mercado de combustível alternativo para jatos seja atualmente dominado por biocombustíveis, diversificar os caminhos de produção de combustível é crucial para um futuro resiliente.
Os combustíveis sintéticos para jatos emergentes baseados em eletricidade oferecem novas rotas promissoras que se aproximam da comercialização. Apesar das barreiras de adoção impostas pela relação de custo entre o combustível de aviação sustentável eletrolítico (e-SAF) e os combustíveis fósseis convencionais para jatos, as avaliações técnico-econômicas envolvendo uma perspectiva de sistemas de energia integrados sugerem sinergias potenciais para reduzir os custos de produção de e-SAF e facilitar a transição energética do setor de energia para sistemas de geração de energia baseados em energias renováveis.
Grande capacidade de VRE necessita de gerenciamento de demanda flexível, com tecnologias interruptíveis como eletrolisadores de e-fuel potencialmente desempenhando um papel crítico no equilíbrio da rede e redução de custos.
Esta análise examina a viabilidade da implantação de e-SAF em escala nacional no EUA, considerando os impactos sinérgicos na competitividade de custos e eficiência da rede, e apresenta uma avaliação de custo abrangente das principais etapas no caminho de produção de e-SAF, incluindo aquisição de CO2, eletrólise, ativação de CO2 e síntese de combustível.
Os resultados indicam que os caminhos de e-SAF projetados para operação flexível podem reduzir significativamente os custos de transição da rede e potencialmente atingir competitividade de custos com biocombustíveis.
As descobertas ressaltam a viabilidade e a necessidade da adoção de e-SAF para atender às metas globais de zero líquido da aviação, enfatizando a importância das sinergias intersetoriais no enfrentamento do desafio da descarbonização.
Destaques
– os caminhos do e-fuel podem desbloquear economias de custo significativas no curto e médio prazo e se tornarem competitivos em termos de custo com outros combustíveis alternativos se forem projetados para fornecer serviços de balanceamento de rede.
– haverá eletricidade renovável excedente de alta qualidade suficiente para atender à maior parte ou a toda a demanda de combustível de aviação do EUA em 2050, e potencialmente uma fração significativa da demanda em 2030.
– ao aproveitar a energia eólica abundante e o CO2 residual da fermentação industrial, o e-SAF sintetizado apenas no centro-oeste do EUA poderia fornecer de forma econômica uma grande parte da meta de 3 bilhões de galões (11,37 bilhões de litros) para 2030 sob o programa federal “SAF Grand Challenge”.
– a rede recebe benefícios substanciais em termos de agilizar a transição energética do setor de energia.
– a adoção da tecnologia de e-fuel atende não apenas à aviação, mas também a outros setores difíceis de descarbonizar com interesses adquiridos nos hidrocarbonetos sintéticos de cadeia longa coproduzidos.
– capitalizar totalmente as sinergias entre os setores e dentro do próprio caminho de produção de e-fuel é de suma importância.
e-saf
Antecipa-se que o e-SAF seja uma tecnologia facilitadora essencial para a eventual descarbonização da aviação. Esse caminho envolve a produção de um gás de síntese intensivo em eletricidade – uma mistura de hidrogênio (H2) e monóxido de carbono (CO) -, que é então convertido em querosene e outros tamanhos de líquidos e gases de hidrocarbonetos por uma reação de Fischer-Tropsch (FT).
O carbono usado no e-SAF poderia idealmente vir de duas fontes sustentáveis principais: (1) CO2 residual de, por exemplo, produção de biogás em aterros sanitários ou fermentação de etanol celulósico e, eventualmente, e (2) captura direta de ar (DAC – Direct Air Capture).
Espera-se que a fontes de carbono por captura direta de ar assuma um papel crescente ao longo do tempo na produção de e-SAF à medida que os custos de produção diminuem e o CO2 residual se torna escasso em um mundo com restrições de carbono.
A disponibilidade de eletricidade renovável é o principal fator limitante que define o limite para a produção sustentável de PtL (Power-to-Liquid) – “energia por líquido”.
Os combustíveis eletrolíticos à base de hidrogênio são uma das poucas opções confiáveis para SAF de alta integridade que podem ser ampliadas de forma sustentável para cumprir as metas definidas pela ICAO, governos e empresas. Substituir 100% da demanda internacional de combustível de aviação por SAF de alta integridade, incluindo PtL, poderia atingir 10 GtCO2 de reduções de emissões até 2050, o equivalente a 65% do total de emissões previstas de CO2 da aviação internacional — supondo que e-SAF com emissões de ciclo de vida quase zero sejam implantadas em escala. Essas economias de emissões poderiam aumentar para 17 GtCO2 com a demanda de combustível de vôos domésticos.
O trem de processo para “caminhos” de e-SAF consiste em quatro componentes principais:
– obtenção de CO2,
– separação ou ativação de CO2 em CO,
– separação de água para obter H2, e,
– liberação da mistura de gás de síntese de H2 e CO por meio da síntese FT para formar hidrocarbonetos de cadeia longa.
A figura mostra um esquema genérico dos componentes do trem de processo PtL (Power-to-Liquid – de energia para líquido): os transportadores moleculares de hidrogênio e carbono para a reação FT são obtidos separadamente, então condicionados e combinados em uma mistura de gás de síntese de H2 e CO. A entrada de CO2 pode ser extraída de uma variedade de fontes para as quais as moléculas de CO2 teriam persistido na atmosfera. Assim, o processo PtL é neutro em carbono.
Os reatores FT convencionais, já em uso há décadas como um componente da indústria convencional, podem ser ajustados para maximizar a participação de saída de produtos-alvo individuais. O espectro de produtos é destilado e refinado por comprimentos de espinha-dorsal de carbono; hidrocarbonetos isolados na faixa de C8 a C12 são tipicamente mais adequados para combustível de aviação como uma substituição ao querosene convencional.
Dois “caminhos” receberam atenção notável na literatura, dado seu estágio de desenvolvimento tecnológico e facilidade de escala por meio de unidades modulares:
- o “caminho” de baixa temperatura (low-temperature route), que usa células de eletrólise de membrana de troca de prótons (PEMEC – Proton-Exchange Membrane Electrolysis Cells) para obter hidrogênio eletrolítico, com opções para obter CO2 comprando CO2 de captura de fonte pontual (PSC – Point-Source Capture) de uma instalação industrial vizinha ou por meio de uma unidade DAC de sorvente sólido de baixa temperatura integrada no local com o equipamento de síntese de combustível. Este CO2 é ativado para monóxido de carbono em uma reação de deslocamento reverso de água-gás (RWGS – Reverse Water-Gas Shift) ou equivalente, e o gás de síntese é alimentado no reator de síntese FT.
- o “caminho” de alta temperatura (high-temperature route), que depende de células de eletrólise de óxido sólido (SOEC – Solid Oxide Electrolysis Cells), um tipo de pilha versátil que pode eletrolisar entradas de forma independente (vapor / H2 ou CO2 / CO) ou em conjunto. Uma assunção é que a unidade SOEC coeletrolisa vapor e CO2, ajustados para produzir o gás de síntese na proporção estequiométrica ideal para a alimentação subsequente no reator FT. Este “caminho” também adota duas opções para fornecimento de CO2, seja comprado da PSC ou usando uma unidade DAC de solvente aquoso de alta temperatura na instalação de e-SAF. Sem a necessidade de uma etapa intermediária de ativação de CO2 (RWGS), o “caminho” de alta temperatura modelada na análise no estudo possui uma estequiometria de reação que requer apenas 2/3 da quantidade de H2 que a de baixa temperatura.
Os principais módulos do processo e-SAF são:
– fabricação de hidrogênio verde por eletrólise alimentada por energia renovável,
– fornecimento e ativação de CO2 e conversão de gás de síntese em combustíveis líquidos por meio da síntese FT.
As tecnologias de eletrólise de água realizam a reação redox por meio de vários tipos de portadores de carga, ou eletrólitos, e seus respectivos arranjos de eletrodos.
Uma reação redox, ou reação de oxidação-redução, é uma reação química que envolve a transferência de elétrons entre espécies químicas, sendo a oxidação a perda de elétrons ou um aumento no estado de oxidação, e a redução o ganho de elétrons ou uma diminuição no estado de oxidação. As reações redox são comuns e vitais para muitas funções básicas da vida, incluindo fotossíntese, respiração celular, combustão e corrosão ou ferrugem.
Destes projetos, os três mais adequados para a produção de combustível e mais destacados na literatura são as células eletrolisadoras alcalinas (AEC – Alkaline Electrolyzer Cells), PEMEC e SOEC.
Obtenção e ativação de CO2 – quando não está operando com alimentação de CO2 adquirida externamente, a instalação de síntese de e-SAF pode obter CO2 de uma unidade DAC integrada. A gama diversificada de tecnologias DAC tem em comum uma sequência operacional básica: diluição vinculativa de CO2 de uma corrente de ar em movimento, recuperação do CO2 em forma concentrada e, em seguida, regeneração do sorvente ou solvente. Os dois tipos mais desenvolvidos são solvente líquido de alta temperatura e DAC sorvente sólido de baixa temperatura.
Um processo de solvente aquoso de alta temperatura, como o desenvolvido pela Carbon Engineering, absorve CO2 usando uma solução de hidróxido básico forte em um par de loops contínuos. A troca aniônica libera o CO2, regenera o sorvente e envia o CO2 preso na forma de pelotas de sal por meio da secagem e calcinação, que libera o CO2 a uma temperatura operacional em torno de 900°C.
Uma unidade sorvente sólida de baixa temperatura usa um contator à base de amina para absorver e dispersar CO2 em um processo em lote alternando entre os modos de captura e liberação, também conhecido como adsorção de oscilação de vácuo de temperatura. O vapor na faixa de 100°C-130°C libera o CO2 da superfície do contator para um fluxo de recuperação e regenera o material sorvente
Conclusões
A modelagem da transição do setor de energia ao longo do tempo ilustra as economias de custo significativas que os caminhos e-SAF podem desbloquear se forem projetados para operar de forma flexível. Criticamente, isso pode permitir que os caminhos e-SAF se tornem competitivos em termos de custo com os “caminhos” SAF atuais, como HEFA-SPK, mais cedo do que o previsto – desde que os países cumpram seus planos anunciados para a transformação de seus sistemas de geração de energia.
Portanto, os altos custos de fabricação dos dias atuais devem ser vistos como um desafio a ser abraçado, em vez de uma barreira imutável. A adoção do e-fuel não é apenas viável — também é necessária para atingir as metas globais de zero líquido em todos os setores.
Os resultados do estudo também mostram que quando os “caminhos” SAF são avaliados com base nos custos de redução, o e-SAF tem um preço muito mais econômico por tonelada de CO2 reduzido do que outros “caminhos”.
Ao fornecer serviços essenciais de balanceamento de rede, a produção de e-SAF pode ajudar a reduzir o custo de integração de eletricidade renovável e, portanto, o custo da transição energética do setor de energia, ao mesmo tempo em que garante um custo menor de eletricidade para o produtor de e-SAF. A combinação de células de combustível-eletrolisador não está sozinha entre as tecnologias flexíveis com capacidades bidirecionais para balanceamento de rede. No entanto, as células de combustível-eletrolisador para PtL ajudam a descarbonizar outros setores simultaneamente e são um transportador de ligação crucial para elétrons renováveis. Isso abre uma oportunidade para países com alto potencial de geração exportarem energia renovável em forma líquida “portátil”.
O estudo ilustra o tremendo potencial para produzir SAF com a mais alta integridade ambiental e catalisar a transformação da rede. Além disso, a adoção da tecnologia PtL atende não apenas à aviação, mas também a outros setores difíceis de descarbonizar com interesses adquiridos na produção de hidrocarbonetos sintéticos de cadeia longa, como o transporte marítimo.
O estudo reitera que capitalizar totalmente as sinergias é de suma importância, tanto entre os setores quanto dentro do próprio caminho de produção de e-SAF. O “quebra-cabeça” da descarbonização global é um desafio muito complexo para cada setor abordar isoladamente. As descobertas do estudo revelam caminhos tangíveis para combinar problemas para elaborar soluções eficientes e duradouras. [EL]