Novas realidades da certificação, e o caminho “sinuoso” percorrido das fabricantes até a “linha de chegada”, em 08.07.24


Em um artigo no dia 01, intitulado “New realities of certification: manufacturers’ winding road to Finish Line” – Novas realidades da certificação: o caminho “sinuoso” das fabricantes até a “linha de chegada”), Kerry Lynch, a editora da revista mensal, e Cathy Buyck, articulista-colaboradora, ambas da mídia AIN, escreveram sobre a atual recente “cena” envolvendo processos de certificação Tipo de aeronaves, junto das duas principais agências regulatórias globais – EASA e FAA , principalmente esta, que foi experimentada por três grandes fabricantes – as americanas Gulfstream e Bell (da Textron) e a francesa Dassault -, que enfrentaram mudanças regulatórias de aeronavegabilidade quando estavam no meio de processos de certificação.

Finalmente, em 30 de março, a fabricante americana Gulfstream Aerospace pôde comemorar a certificação pela FAA de seu novo “jato-chefe”, o jato cabine larga ultra-longo alcance e ultra-alta tecnologia embarcada G700 após um processo de homologação que levou pelo menos dois anos a mais do que o planejado pela fabricante. A validação da EASA foi emitida em meados de maio.

Anunciada em 2019, a Gulfstream inicialmente previa 2022 para a certificação do G700, mas em abril de 2022, a presidente e CEO da General Dynamics, Phebe Novakovic, alertou sobre atrasos iminentes relacionados a requisitos extras e demorados que ela atribuiu a fatores alheios – como “o resultado de eventos independentes de nós”. Na sequência, a Gulfstream passou a prever a certificação do G700 até o final de 2023, com a expectativa de entregar a clientes os primeiros 15 jatos do modelo ainda naquele ano. As informações são que foram produzidos 50 jatos G700 até o final de 2023, enquanto da finalização do processo de certificação e da preparava para as entregas.

Ao anunciar a tão esperada homologação do G700, o presidente da Gulfstream, Mark Burns, proclamou: “Concluímos com sucesso o programa de certificação mais rigoroso da história da empresa com o G700”.

Falando para a AIN durante o evento de apresentação e entrada em serviço de seus dois primeiros G700 pelo Qatar Executive, em Doha, em 22 de maio, Burns disse que o processo de certificação do G700, mais longo do que o inicialmente esperado, foi em grande parte devido às diretrizes do Congresso no EUA pedindo mais supervisão da FAA durante aprovações de produtos.

A FAA passou a solicitar que mais elementos fossem documentados e testados e também a exigir mais vôos de teste.

“Todos esses testes criaram uma aeronave extremamente madura”, disse Burns, acrescentando: “A boa notícia é que não tivemos que mudar a aeronave. A aeronave permaneceu como estava há um ano”.

O “jato-chefe” da Gulfstream, o G700, recebeu certificação da FAA no final de março, a validação da EASA em meados de maio, e a aprovação da Autoridade Geral de Aviação Civil do Qatar ocorreu logo depois, permitindo que o jato fosse entregue e operado pelo Qatar Executive.

No momento, a Gulfstream está buscando a validação do G700 por mais de uma dúzia de autoridades nacionais de aviação, incluindo China, Canadá e Reino Unido, observou Burns.

Enquanto isso, na área metropolitana de Dallas-Fort Worth, o fabricante de helicópteros Bell, uma empresa da Textron Aviation, vem desenvolvendo talvez o seu mais avançado e certamente o maior helicóptero comercial até agora com o Bell 525. Assim como o Gulfstream 700, esta aeronave está equipada com sistemas novos e de longo alcance, como um sistema Fy-by-wire completo, uma inovação no setor de helicópteros civis.

A Bell anunciou o 525 em 2012 com a intenção de conquistar um novo nicho no mercado supermédio. O programa sofreu um revés em 2016, quando um protótipo caiu. Mas, superando isso, a fabricante de helicópteros avançou e apontou provisoriamente uma data de aprovação para 2017.

Mas, então, a Bell mudou os planos. Informou ao mercado que não iria mais definir um cronograma para a certificação, com o então CEO Mitch Snyder dizendo que se tratava de um processo conjunto com a FAA.

Novamente, no ano passado, Snyder apontou ‘mornamente’ o final de 2023 como uma possibilidade, mas enfatizou que isso estava nas mãos da FAA.

O jato ultra-médio-cabine larga Dassault Falcon 6X foi anunciado em 2018 como a continuação do programa fracassado “5X”. A certificação Tipo do novo modelo atrasou – mas só um pouco em comparação ao G700. O jato recebeu a certificação da EASA e a validação da FAA em agosto de 2023.

Lynch e Buyck assimilam, pela ótica do “lado de fora”, que os programas de certificação são sempre um alvo em movimento. Mas avaliam que já se foram os dias da Cessna Aircraft (agora Textron Aviation) revelando uma aeronave subsequente e certificando-a e colocando-a no mercado alguns anos depois. As articulistas apontam que há muitas razões para isto.

A Covid trouxe complexidades a postos de trabalho derivando o trabalho remoto e aposentadorias precoces.

A Dassault adiou seu cronograma do Falcon 10X para 2027, e o CEO e presidente da Dassault Aviation, Eric Trappier, apontou as complicações em torno do trabalho durante a pandemia como o principal motivo. Falando para repórteres durante a EBACE (feira da aviação executiva européia)no final de maio, Trappier acrescentou: “Estamos agora confiantes de que [2027] deverá funcionar”.

Tanto o trabalho remoto quanto a onda de aposentadorias também impactaram a FAA.

Pete Bunce, presidente da GAMA – General Aviation Manufacturers Association (associação d fabricantes da aviação geral), testemunhou em 2023, no Capitólio (Congresso do EUA), sobre os atrasos envolvendo a certificação e expressou preocupação com a rotatividade na FAA – 40% dos engenheiros de certificação tinham menos de dois anos de experiência. Bunce disse que o treinamento deles foi prejudicado devido à dispersão da força de trabalho após a pandemia. O Congresso, no mais recente Projeto de Lei de Reautorização da FAA, incluiu uma diretiva para garantir que os trabalhadores trabalhassem remotamente nos casos em que isso fizesse sentido em seus empregos.

Uma segunda razão, e pelo menos igualmente influente, é o fator Boeing.

A FAA esteve sob escrutínio substancial em todo o mundo após os acidentes do B.737MAX e investigações subsequentes, bem como com os problemas de produção que surgiram.

O Congresso implementou uma variedade de controles, incluindo supervisão intensificada das atividades de delegação, por meio da Lei de Certificação, Segurança e Responsabilidade de Aeronaves de 2020.

Nenhuma mudança é implementada rapidamente, mas todos concordam que ter um administrador permanente da FAA, Michael Whitaker, ajuda isso – uma implementação mais rapidamente.

“Depois dos acidentes com Boeing, as agências de certificação estão mais meticulosas, e com razão, para garantir que os passageiros estarão seguros. Portanto, as coisas são um pouco mais difíceis”, disse Trappier para mídias e analistas durante a apresentação dos resultados de 2023 da Dassault, em março.

A EASA, responsável pela certificação dos jatos executivos Falcon, exigiu diversas modificações no “6X”, disse Trappier. Devido a essas modificações necessárias, o “6X” entrou em serviço somente em 30 de novembro, após a certificação da EASA e a validação da FAA em agosto de 2023. Nesse meio tempo, o “6X” obteve a aprovação das autoridades de aviação da Turquia, Ilha de Man e San Marino, enquanto o processo de certificação está em andamento no Canadá, na Índia e no Reino Unido.

A Dassault também ainda está trabalhando na obtenção de aprovações adicionais de produtos e  recursos no “6X”, como para aproximações “rampadas” bem como para seu Sistema de Visão Combinada FalconEye (CVS – Combined Vision System). De acordo com o vice-presidente executivo de aeronaves civis da Dassault, Carlos Brana, isso é apenas uma questão de tempo e “até 99 por cento das missões já podem ser realizadas com a aeronave como está”.

Embora muitos apontem que da FAA leva muito mais tempo para obter aprovações (homologações), Walter Desrosier, vice-presidente de engenharia e manutenção da GAMA, disse que está vendo um escrutínio intensificado nos programas de certificação de todas as agências, não apenas da autoridade de aviação do EUA.

“As autoridades de certificação são agora muito mais exigentes do que costumavam ser”, reconhece Brana para AIN, concordando com Desrosier. “Precisamos levar em consideração que o 10X também pode exigir um processo de certificação muito rigoroso. A segurança está em primeiro lugar na Dassault, desde sempre. Seria errado dizer às autoridades de certificação que estão solicitando demasiada informação se a segurança é a nossa principal preocupação”, completa Brana.

O motivo pelo qual um programa pode parecer avançar mais rapidamente do que outro pode ser mais uma questão de quão maduro o programa está no momento da aplicação da certificação ou de quão inovadora é a tecnologia que um novo programa pode trazer para o mercado. Ou poderá haver alterações internas num novo programa que não seja visível para os mercados externos. No entanto, Desrosier disse que os programas em geral estão demorando mais para a certificação.

Quanto à FAA, “houve uma revisão significativa” dos processos e procedimentos de certificação da agência, disse Desrosier. “Tem havido uma série de recomendações diferentes … que vieram em várias formas – seja um comitê consultivo de regulamentação, seja alguns dos estudos de IG [do Inspetor Geral do Departamento de Transportes] ou do [Escritório de Responsabilidade do Governo]. E então, mais recentemente, como resultado dos acidentes do B.737MAX, houve uma quantidade sem precedentes de avaliação, escrutínio e revisão”, revela Desrosier.

A questão principal com todas estas recomendações e diretivas para uma maior supervisão é como a FAA gere as tecnologias em rápida evolução a um ritmo previsível, mantendo ao mesmo tempo o nível necessário de envolvimento e defendendo os mais elevados padrões, disse Desrosier. Este é um ato de equilíbrio, especialmente porque a indústria atravessa tempos sem precedentes com o salto em tecnologias novas e transformadoras, avalia Desrosier.

No entanto, como resultado da supervisão intensificada, Desrosier acrescentou: “Algumas das coisas que estamos vendo são basicamente uma recertificação de algumas áreas que já foram certificadas quando [há] uma mudança de produto”.

Além disso, o processo agora envolve documentação mais extensa em torno dos testes de certificação. No final, Desrosier explica, o resultado pode não exigir necessariamente uma alteração no design (projeto) do fabricante, “mas um envolvimento e uma revisão muito mais robustos” por parte dos reguladores. Desrosier acrescenta que esta é uma mudança “que estamos vendo na FAA e em todas as autoridades em termos de fortalecimento da documentação e do que chamamos de comprovação do cumprimento”.

A razão pela qual isso “chegou ao primeiro plano”, aponta Desrosier, é que as autoridades da aviação estão se aprofundando nos relatórios de conformidade de um programa de certificação, incluindo documentação de engenharia anterior. “E eles começaram a fazer perguntas como: Como você deu esse salto ou como fez essa conexão ou, mais importante, esta é uma área que não vemos muita comprovação”, revela Desrosier.

Muitos programas de aeronaves envolvem continuação ou evolução de modelos anteriores, e algumas dessas questões que as fabricantes encontraram por parte dos reguladores cercaram uma modificação anterior, explica Desrosier. Essa documentação solicitada por uma agência pode ter envolvido uma alteração feita três ou quatro derivativos antes, ou 10 ou 15 anos antes, e não envolve necessariamente o que há de novo no projeto mais recente.

“Estamos vendo uma pequena mudança em todas as autoridades, esperando mais fundamentação na robustez da documentação e nas demonstrações de conformidade de cada programa e não apenas reconhecendo que ele foi previamente aprovado e, portanto, pode continuar avançando. Você tem que apresentar esses dados, mostrar a documentação de comprovação e, em seguida, incluí-los nesse programa e, em seguida, adicionar as comprovações adicionais de conformidade para as áreas em sua mudança de projeto”, detalha Desrosier.

Para novos programas, as fabricantes podem entrar com pleno conhecimento dessas mudanças. Mas aqueles que já estavam em curso – como o G700, da Gulfstream, o “525”, da Bell, e até o Falcon 6X, da Dassault – podem ter sido apanhados por esta mudança nos testes e noutras documentações.

“Há novas expectativas sendo definidas [por parte dos reguladores]. Há coisas novas sendo implementadas que precisam ser apresentadas e demonstradas e que exigem que as fabricantes voltem e refaçam coisas que já foram feitas no passado”, diz Desrosier. “Isso é o que temos visto de algumas fabricantes quando dizem que houve uma surpresa, que houve alguns atrasos. Isso porque houve alguma mudança. Essas mudanças não estão necessariamente em grandes novos requisitos. As mudanças estão na política e na orientação e na expectativa do nível de fundamentação”, explica Desrosier.

Este quadro é o resultado de investigações de acidentes mais recentes, sustenta Desrosier. As autoridades investigadoras de acidentes determinaram que a fundamentação deveria ser fácil de identificar. Mas para as fabricantes, “tudo isso é apenas trabalho adicional quando não foi planejado e não esperado”, divulga Desrosier., acrescentando que as várias autoridades da aviação estão “em sintonia” no reconhecimento disso, mesmo que os seus processos possam ter as suas próprias nuances.

No que diz respeito a essas nuances, Desrosier citou, como exemplo, a agência regulatória de aviação Transport Canada poder ter um foco adicional nas operações em clima frio (baixa temperatura ambiente). “São os mesmos requisitos que se aplicam a todos, mas eles se aprofundam e têm muito mais requisitos de comprovação, muito mais requisitos de documentação e muito mais requisitos de teste porque essa é uma área de ênfase e foco para eles”, aponta Desrosier.

No entanto, uma vez que as fabricantes saibam quais são as expectativas e as reguladoras possam comunicá-las melhor, isso facilitará o caminho para as fabricantes. “Elas [fabricantes] simplesmente planejarão fazer isso e poderão planejar e estar preparadas para isso”, Desrosier aponta. “O maior impacto quando se trata de afetar os planos do projeto de certificação, coisas como cronogramas e expectativas de cronogramas, é quando ocorre uma mudança que foi inesperada, que não foi planejada”, salienta Desrosier.

Desrosier observou ainda que a GAMA ouviu as fabricantes que tiveram atrasos quando esses requisitos adicionais surgiram inesperadamente. “Se você estiver no quinto ano [de um programa de certificação] e de repente houver uma expectativa de que todos esses relatórios terão que ser documentados de forma diferente. Isso terá um impacto maior no futuro”, Desrosier disse. O vice-presidente de engenharia e manutenção da GAMA enfatizou ainda: “O que é realmente importante é que as fabricantes e os requerentes entendam o que é esperado pelas reguladoras. A principal função da reguladora no processo de certificação é estabelecer os requisitos antecipadamente”.

Desrosier apontou, no entanto, as complexidades de definir essas expectativas. Os requisitos do regulamento de aeronavegabilidade PART-25 para aeronaves da categoria de transporte são bem conhecidos, assim como os meios de conformidade utilizados no passado. Isto deve ter um alto nível de previsibilidade. “Você pode montar um plano de projeto e um cronograma bastante preciso porque tem alta previsibilidade sobre quais são esses requisitos”, sustenta Desrosier. No entanto, a maioria dos novos programas incorpora muitas tecnologias novas, sejam novos materiais para tornar uma aeronave mais leve e consumir menos combustível ou melhorias de segurança envolvendo automação. E as fabricantes também estão atualizando seus métodos de fabricação.

“Cada vez que incorporamos algo novo que as regulamentações existentes não abordam ou que os meios de conformidade existentes que são aceitos não abordam, isso significa que isso representa um nível adicional de trabalho tanto para o solicitante quanto para o regulador. Agora temos que apresentar novos requisitos aplicáveis”, explica Desrosier. Isto leva a “condições especiais”. “Bem, isso é todo um processo de regulamentação”, aponta Desrosier. E esta pode ser uma diferença fundamental entre a FAA e outros reguladores. “O processo de regulamentação da FAA – e a eficácia e eficiência desse processo – realmente influencia o impacto na certificação de Tipo, nos cronogramas dos projetos e nos programas”, sustenta Desrosier.

O vice-presidente de engenharia e manutenção da GAMA apontou “condições especiais” que não foram divulgadas para a Gulfstream até este ano. “Se a FAA não concluiu a regulamentação de uma condição especial até 2024, é impossível certificar. Elas [fabricantes] têm que conhecer os requisitos. Obviamente, a Gulfstream sabia antecipadamente quais eram esses requisitos porque já fez o projeto, já fez a conformidade. Eles [Gulfstream] estavam apenas esperando que a FAA terminasse de promulgá-lo, publicá-lo e adotá-lo por meio desse processo administrativo. Então, obviamente, há algumas coisas que estão fora de sincronia aqui”, Desrosier observou.

Desrosier acrescentou que esta espera por “condições especiais”, em geral, é uma “enorme frustração” e preocupação para as fabricantes.

Desrosier observou que a regulamentação não está totalmente sob o controle da FAA. Ainda deve ir ao Departamento de Transportes e ao Escritório de Gestão e Orçamento para autorização regulatória. Outras autoridades podem não ter um processo tão extenso em determinadas áreas de regulamentação.

Outra área que torna o processo mais demorado são os sistemas desatualizados e envelhecidos. Uma das áreas abordadas pelo Projeto de Lei de Reautorização da FAA aprovado mais recentemente é a digitalização. A importância disso é que agilizará ainda mais o processo. “Ainda temos que fornecer papel – projeto bidimensional – quando todo jovem faz isso em 3D [tridimensional]”, disse Bunce. Os projetos de engenharia normalmente são feitos por meio de sistemas de computador sofisticados. “Temos que traduzir para o papel. Isto é ridículo. Temos que pressionar os reguladores para que avancem para o século 21”, acrescentou Bunce. [EL] – c/ fonte