Programa do jato comercial chinês C919, um longo “jogo” da China para desenvolvimento, certificação e entrada em serviço, em 12.02.22


Em um texto postado na mídia AIN nesta sexta dia 11 – “China Plays Long Game on C919 Development”/numa tradução livre “o longo jogo da China no desenvolvimento C919” -, o articulista Peter Shaw-Smith repassa o andamento do programa do jato comercial narrow body da fabricante aeronáutica chinesa (estatal) COMAC – Commercial Aircraft Corporation of China.

O articulista inicia o texto opinando que, no caso das ambições aeroespaciais da China, a fábula da tartaruga e da lebre é instrutiva. Os pessimistas passaram quase uma década descartando as chances da primeira aeronave comercial de fuselagem estreita do país, mas no início de 2022 – e apesar da decepção da CEA – China Eastern Airlines com atrasos na primeira entrega da aeronave, prevista antes do final de 2021 –, a COMAC finalmente parece prestes a tornar o C919 uma realidade ainda neste ano. 

Mas, ainda assim, o progresso do programa continua arrastando-se e sendo lento, com as entregas parecendo que provavelmente começarão no final do ano.

O C919 ainda não recebeu a certificação da Administração de Aviação Civil da China (CAAC).

Atuar um jogo longo, no entanto, tornou-se um ponto forte da República Popular da China (RPC). Como o relatório seminal (produtivo) da Rand Corporation 2014, “The Effectiveness of China’s Industrial Policies in Commercial Aviation Manufacturing”/A eficácia das políticas industriais da China na fabricação para aviação comercial, apontou, a China adotou uma abordagem de três estágios para o desenvolvimento de aeronaves comerciais projetadas para romper o duopólio global Airbus-Boeing.

“Para atingir o objetivo de criar uma indústria de fabricação da aviação comercial globalmente competitiva, o governo chinês adotou uma estratégia de primeiro se envolver na produção e montagem doméstica usando projetos estrangeiros, depois desenvolver seus próprios projetos com assistência estrangeira, culminando no desenvolvimento local completamente independente de uma aeronave comercial sem assistência estrangeira”, registra o relatório, estabelecendo os três estágios do desenvolvimento da capacidade industrial aeronáutica.

Segundo Shaw-Smith, pelo valor de face, parece que a RPC agora progrediu para um ponto entre os estágios/fases 1 e 2.

A COMAC surgiu em 2008, após desvinculação da AVIC, e a produção do protótipo C919 começou em 2011. A montagem do primeiro protótipo foi concluída em 2015 e o primeiro vôo ocorreu em 2017.

Várias empresas internacionais compuseram em joint ventures na China para desenvolver elementos do programa C919, incluindo a GE e a Safran (motores), a Collins Aerospace (sistemas de comunicação e navegação), a Honeywell (sistemas de controle de vôo) e a Liebherr Aerospace (sistemas de trem de pouso e de gerenciamento de vôo). Em 2015, o Departamento de Justiça indiciou vários funcionários chineses sob a acusação de roubar tecnologia de motores de várias fabricantes sediadas no EUA e Europa.

A RPC está avançando sua indústria de aviação doméstica por meio de duas grandes corporações estatais de aeronaves, a Aviation Industry Corporation of China (AVIC), que se concentra principalmente em Defesa, e a COMAC, registra um relatório intitulado “Military and Security Developments Involving the People’s Republic of China 2021”/Desenvolvimentos militares e de segurança envolvendo a República Popular da China 2021, publicado pelo Escritório da Secretaria de Defesa do EUA.

“A indústria de aviação da RPC é incapaz de produzir motores de aeronaves confiáveis ​​de alto desempenho e depende de motores ocidentais e russos, como o franco-americano CFM LEAP 1C, que equipa o COMAC C919, e o russo D-30, que equipa Y-20 [jato-transportador militar quadrimotor, Xian Aircraft Industrial Corporation] e variantes [do bombardeiro estratégico] H-6K e H6-N”, registra este relatório da Secretaria de Defesa do EUA. “A RPC está desenvolvendo os motores turbofan de alto taxa de derivação [bypass ratio] CJ-1000, AEF3500 e WS-20 para equipar os modelos C919, CR929 e Y-20, respectivamente”.

Shaw-Smith pontua que a quantidade de tempo e dinheiro que a China se mostrou disposta a investir no projeto reflete sua determinação de seguir em frente. Em julho passado, o Financial Times noticiou que Pequim gastou até US$ 72 bilhões em apoio estatal para o desenvolvimento do C919, citando estimativas do centro de estudos do EUA para Estudos Estratégicos e Internacionais.

A maior parte de pouco mais de 1.000 pedidos – abrangendo cerca de 300 firmes e 700 compromissos – para o C919 é originada quase exclusivamente de cias aéreas e arrendadoras (lessoras) chinesas. Em 2010, mais de uma década antes de concluir sua fusão com a AerCap no ano passado, a GE Capital Aviation Services (GECAS) anunciou pedidos para 10 jatos C919, aparentemente tornando-se o “ator” ocidental a cumprir seu interesse no programa do jato de corredor único. Em 2015, a City Airways, da Tailândia, assinou um acordo preliminar com a ICBC Leasing para receber 10 jatos C919, mas a cia. aérea faliu no ano seguinte.

Em um dos últimos atos do governo Trump em janeiro de 2021, o Departamento de Defesa do EUA, com uma lista incluindo a COMAC, divulgou os nomes de outras “empresas militares chinesas comunistas” (CCMC – Communist Chinese Military Company) operando direta ou indiretamente no EUA, forçando os fornecedores do EUA a interromper as negociações com estas empresas listadas.

“O Departamento está determinado a destacar e combater a estratégia de desenvolvimento da Fusão Civil-Militar da República Popular da China, que apóia as metas de modernização do Exército de Libertação Popular (PLA – People’s Liberation Army), garantindo seu acesso a tecnologias avançadas e conhecimentos adquiridos e desenvolvidos até mesmo por empresas, universidades e programas de pesquisa aqueles da República Popular da China que parecem ser entidades civis”, registrou o Departamento de Defesa do EUA.

No entanto, o governo Biden anexou uma nota ao anúncio informando que, em 03 de junho de 2021, o Secretário de Defesa havia removido as entidades listadas da lista do CCMC.

No mesmo mês, o OFAC – Office of Foreign Assets Control (Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros), uma unidade do Departamento do Tesouro do EUA, publicou uma nova lista que proíbe o investimento em empresas chinesas de tecnologia de defesa e vigilância, incluindo mais de uma dúzia de empresas de aviação e aeroespacial, bem como a fabricante de equipamentos telecomunicações Huawei, noticiou o jornal South China Morning Post em dezembro. Embora o nome da COMAC não estivesse na lista, a implicação era que o governo continuaria a observar a fabricante chinesa de perto.

Shaw-Smith finaliza seu artigo opinando que, se o C919 será ou não tecnologicamente atual quando finalmente entrar em serviço, uma coisa é certa: se a China decidir colocar o avião no ar, fará isso acontecer. [EL] – c/ fontes