Rússia iniciando um novo programa de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia-chave para o transporte aéreo supersônico, em 23.08.21


A indústria aeroespacial da Rússia está atrasando o lançamento em grande escala de uma aeronave de transporte supersônico de segunda geração (SST2 – Second-generation Transport) enquanto intensifica os esforços para desenvolver as tecnologias-chave necessárias para cumprir essa ambição. A mudança de curso foi confirmada em uma reunião governamental de alto nível no mês passado, quando o próprio presidente Vladimir Putin aprovou uma proposta de empresas apoiadas pelo estado para desenvolver o novo demonstrador de tecnologia supersônica Strizh (Swift) a ser movido por turbofan Klimov RD-93MA (um derivado sem pós-combustão do motor do caça MiG-35).

Com um peso de decolagem de 16 toneladas (35.243 lb.), o Strizh serviria como uma plataforma para avaliar um ‘pacote’ de novas tecnologias, como design de fuselagem estrutural pró-biônica (em vez de estruturas e sistemas nervurados nervuras clássicos) e avanços de engenharia na integração motor/fuselagem para fornecer uma emissão de ruído menor em torno dos aeroportos.

Tendo concluído testes de túnel de vento e a gás quente em modelos em escala reduzida, a indústria aeroespacial russa agora aguarda uma resposta do governo a sua proposta de produzir “veículo” de 125 pés (38 m.) capaz de acelerar a velocidades de até MACH 1,8. Se o financiamento do governo russo, o Kremlin, se materializar em tempo hábil, a produção e os testes de vôo ocorrerão entre 2022 e 2026.

Mais pesado e mais rápido que o NASA/Lockheed-Martin X-59, denominado Quiet Technology Supersonic Transport (QueSST), ou Transporte Supersônico de Tecnologia Silenciosa, o Strizh possui um ‘bico’ em forma de cunha e uma asa em “V” invertido para reduzir o estrondo sônico (sonic boom) e os níveis de ruído. Os recursos permitiriam que o avião navegar à MACH 1,7 a uma altitude de 51.000 pés, enquanto produzindo um estrondo sônico mais silencioso que 85 dB. Embora isso não corresponda ao desempenho geral almejado por alguns no setor de aviação para um futuro jato executivo supersônico e, por extensão, um avião transportador supersônico, os desenvolvedores russos acreditam que o Strizh serviria como o próximo passo em direção a um futuro supersônico viável.
Os desenvolvedores do projeto americano X-59 e do Strizh pretendem realizar testes de vôo de resposta para permitir que a reunião do Comitê de Proteção Ambiental da Aviação da ICAO (CAEP13) estabeleça um padrão de explosão sônica em 2025. Sem tal padrão e regras de certificação para níveis de ruído e limite da intensidade do o estrondo sônico (sonic boom) em sobrevôo de áreas populosas, iniciar o desenvolvimento de qualquer aeronave supersônica comercial (e no caso, o SST2) seria provavelmente muito arriscado.

Essas considerações parecem ter estimulado a decisão do governo russo de gastar mais tempo e dinheiro em pesquisa fundamental e maturação tecnológica.

Em setembro de 2020, a administração federal russa aprovou a formação de um consórcio especial de centros científicos nacionais para tratar do tema. Isso levou ao lançamento, em dezembro de 2020, do novo Centro Científico Sverkhzvuk, de classe mundial (conhecido mais comumente como TsNTU Sverkhzvuk, ou Centro Supersônico). O Ministério da Indústria e Comércio da Rússia comprometeu cerca de US$ 34 milhões em financiamento até 2025, com a condição de que seis parceiros da indústria contribuíssem com pelo menos US$ 7,6 milhões de seus próprios recursos.

O instituto de pesquisa TsAGI (o Instituto Central Aerodinâmico, em homenagem a Zhukovsky) lidera o consórcio com uma força de trabalho de 4.600 contratados em mais de 60 túneis de vento e outras instalações e equipamentos de testes. O objetivo principal é estabelecer um conjunto de padrões e tecnologias críticas para permitir o desenvolvimento de um SST2, bem como a infraestrutura de apoio necessária, e dar à indústria aeronáutica russa uma chance de assumir globalmente a liderança na corrida supersônica do século 21.

No entanto, o orçamento de aproximadamente US$ 41 milhões alocado até agora é apenas uma fração dos custos estimados para tirar o SST2 do chão. O desenvolvimento de um motor adequado, unicamente, levará provavelmente um montante de US$ 640 milhões, de acordo com as estimativas do momento. Os parâmetros necessários para o sistema de propulsão incluem uma velocidade do gás de escape abaixo de 1.300 pés por segundo na decolagem e consumo específico de combustível (SFC – Specific Fuel Consumption) de 1,0 lbf./lb. combustível em uma hora de vôo.

Em comparação, o motor turbofan GE/CFM International CFM56-7B, comumente usado em aviões comerciais de fuselagem estreita, tem uma proporção SFC de cerca de 0,5 lbf./lb. combustível, com uma elevada razão by-pass (taxa de derivação) mais eficiente de 5,1. – a Família CFM56-7B (equipando jatos B.737NG) tem empuxo na faixa de 19.500 lbf. até 27.300 lbf., com razão by-pass (taxa de derivação) de 5,5 até 5,1, e taxa de compressão de 32,7. Com base nisso, o SFC para a motorização de uma aeronave SST2 russa prevista seria uma conquista bastante técnica em velocidades de MACH 2,0 para até 2030.

Mas o financiamento inicial pelo menos dá à equipe SST da Rússia um “novo começo”.

Ao longo dos próximos seis anos, o Centro Supersônico tem um mandato para realizar nada menos que 131 conferências e 43 programas educacionais, publicar 78 artigos científicos de nível Q1 Q2 para o Scopus/Web of Science Core Collection e formar 349 jovens cientistas aeroespaciais para a indústria. Os planos exigem que sua equipe de cientistas cresça dos 39 atuais para 50 em 2025.

As metas de design da nova iniciativa de aeronave incluem um aumento na razão sustentação/arrasto para um possível SST2, em cruzeiro sustentado, de 20% a 25%, uma redução na queima de combustível em 15% e na intensidade de estrondo sônico em 7 a 10 dB, e garantindo pelo menos uma margem de 5 a 7 dB com os limites de ruído atuais do Capítulo 14 da ICAO.

“Não falamos apenas de ciência e tecnologias puras, mas do certo nível de integração de sistema que se reflete em um projeto de aeronave proposto de uma iteração atual”, disse Cyril Sypalo, chefe do TsAGI e do novo Centro Supersônico, em uma conferência durante a feira aeronáutica e show aéreo da Rússia MAKS, que aconteceu em julho, em Moscou. “Moldar o projeto das aeronaves é uma questão muito importante para nós. Já mudamos da configuração de R0 para R1 e continuaremos a refinar o projeto da aeronave para pelo menos R5 conforme as tecnologias e métodos se tornem mais maduros. Nosso trabalho não chegará ao fim em 2025 com a apresentação dos resultados ao ministério. Em vez disso, passaremos da pesquisa científica para a pesquisa e o desenvolvimento”, completou Sypalo.

As especificações para o projeto supersônico na etapa R1 incluiriam um peso bruto de 121.250 lb. (porte suficiente para uma faixa de capacidade de 4 a 18 passageiros), uma velocidade de MACH 1,8, Teto operacional entre 49.000 e 58.000 pés e níveis de ruído de estrondo sônico (sonic boom) entre 65 e 69 dBA.

A equipe do novo Centro Supersônico espera que em 2025 o nível de tecnologias lhes permita planejar a entrega de um SST2 com sistemas totalmente elétricos a bordo e visão técnica/cabine de realidade aumentada para operação de um único piloto (com funções de segundo membro da tripulação a serem transferidas para algum tipo de tecnologia baseada em inteligência artificial). A aeronave também apresentaria uma razão sustentação/arrasto de 10, uma razão de 0,45 entre o peso vazio e o peso máximo de decolagem, uma margem de ruído de 5 a 7-EPNdB dentro dos limites do Capítulo 14 da ICAO e um intervalo de tempo operacional entre as principais revisões de 15.000 horas de vôo.

Gerenciando as expectativas, as partes interessadas da indústria russa informaram que provavelmente não entregarão um avião supersônico ou um jato executivo com tal desempenho antes de 2030. [EL] – c/ fontes