“Uma aproximação visual que deu errado”, artigo do colunista em segurança da AIN Stuart “Kipp” Lau, em 08.09.22


Em artigo postado no site da AIN em 26/08/2022, de título “A Visual Approach gone bad” (“Uma aproximação visual que deu errado”), o colunista de segurança operacional da mídia Stuart “Kipp” Lau escreve que aproximação visual é o primeiro tipo de aproximação ensinada durante a instrução de vôo primária. Um circuito de tráfego (padrão de vôo) VFR bem voado numa aeronave leve é benigno. Em cada ponto, perna do vento, través da cabeceira, perna-base e curva para a Final, pilotos-aluno são ensinados a voar com apropriada potência, velocidade e configuração, tudo levando para uma bela bem sucedida aproximação estabilizada seguida de pouso.

Em aeronave de motorização à turbina de maior porte, uma aproximação visual é bem menos comum ou previsível.

Um estudo passado da FSF – Flight Safety Foundation (Fundação de Segurança de Vôo) determinou que 41% de todos acidentes de aproximação e pouso começam com uma aproximação visual.

Para um piloto, os principais objetivos de uma aproximação visual é a segurança, a legalidade e não haver uma vergonha. Ocasionalmente, o último acontece. Se não for planejada e executada adequadamente, uma aproximação visual tem o potencial de levar ao caos completo na cabine de comando.

Caso em questão, vou compartilhar uma “experiência” pessoal não apenas para mostrar minhas vulnerabilidades, mas para demonstrar que um piloto com quase 40 anos de experiência de vôo, às vezes, se envergonha, se embaraça.

Uma abordagem visual que deu errado ficará profundamente enraizada em sua memória. Posso não me lembrar do que jantei ontem à noite, mas consigo me lembrar de cada detalhe exato dessa aproximação visual malfeita como se tivesse acontecido ontem, embora esse evento tenha ocorrido há quase quatro anos.

Aqui está o quadro: era quarta e última etapa do dia de um pequeno aeroporto do centro-oeste para um aeroporto um pouco maior do centro-oeste. O tempo de vôo programado para este vôo de reposicionamento era de apenas 45 minutos, e o clima era CAVU [Ceiling And Visibility Unlimited/Uunrestricted – teto e visibilidade ilimitada/sem restrição] em toda a região. Eu era o Piloto nos Comandos (PF) e tinha um primeiro oficial altamente experiente – embora fosse novo na empresa -, que seria o Piloto de Monitoramento (PM).

Nesse ponto, o sol estava nascendo do leste – na mesma direção em que estávamos voando. Antes do ponto de descida, o PM copiou o ATIS, calculou os dados de pouso para uma operação de flape reduzido e enviou a mensagem dentro do alcance [VHF] com o recado mais importante: “ligue para a van do hotel”.

Em seguida, eu faria um briefing completo da aproximação – um “visual apoiado pelo ILS” – e discutimos as nuances de um pouso de flape reduzido. Em pesos mais leves, um pouso de flape reduzido fornecerá um Vapp que é mais apropriado para um jato pesado (além de ser mais silencioso, mais econômico, etc.). Foram abordados os itens necessários, como selecionar os dados do [procedimento] pouso apropriados, Vapp corrigido no FMC, interruptor de excedência de flape do GPWS para “ON” e uma discussão sobre uma redução no arrasto, o que exigiria que diminuíssemos a velocidade mais cedo do que o normal.

A lista de verificação de descida (Descent Check-list) foi concluída e, quando nos aproximamos do ponto de descida (TOD – Top of Descent), pudemos ver o aeroporto. Ambos estávamos familiarizados com o aeroporto, pois é um hub regional para nossa operação.

Cruzando 16.000 pés, o controlador em rota do Centro nos transferiu para o controle de aproximação. O controlador de aproximação então nos liberou direto para o Fixo da Aproximação Final (FAF) e nos deu uma autorização de descida adicional para 3.000 pés (2.500 pés era a altitude do FAF).

Neste ponto, a aeronave estava na configuração “limpa” a 250 KT, e estávamos numa “perna de cachorro” (dog leg) [Dog leg – segmento de afastamento intencional e temporário de curso e retorno em seguida com o objetivo de desvio de mau tempo ou obstrução ou ganhar tempo] para o curso da aproximação final. Parecíamos estar afastados.

Com a pista à vista e sentindo uma carga de trabalho maior para o controlador (ele também estava trabalhando em uma frequência combinada de torre e solo) e o desejo de continuar a descida para 2.500 pés, ambos concordamos que poderíamos voar aproximação visual (Visual approach). O PM solicitou e o controlador obrigou e nos liberou para a aproximação visual. Foi aí que começou a ficar ruim.

Embora estivéssemos estabilizados “na trajetória” para cruzar o FAF a 2.500 pés, eu estava rápido – muito rápido. Ao estender os freios aerodinâmicos (speed brake), meu “John Wayne interior” entrou em ação e, sem mais avaliações, desacoplei o piloto-automático e o acelerador-automático (autothrottle) e ajustei o Diretor de vôo (Flight Director) para o vetor de trajetória de vôo (FPV – Flight Path Vector).

Os “especialistas” em segurança dizem que há uma “dependência excessiva da automação” e “não há o suficiente para voar na mão” – era isso que estava acontecendo na minha cabeça.

Em retrospecto, essa foi uma ideia horrível. Não apenas aumentei minha carga de trabalho, mas carreguei o PM, fazendo com que ele manipulasse as velocidades no painel de controle de modo (MCP – Mode Control Panel), além de tarefas de monitoramento ativo, configurando a aeronave, definindo a altitude de aproximação perdida e executando a lista de verificação de pouso (Landing Checklist).

Por algum milagre, uma enxurrada de comandos e braços se agitando na cabine, conseguimos configurar a aeronave e desacelerar um pouco. Aproximando-se do FAF a cerca de 1.500 pés acima da elevação do campo, a aeronave estava na trajetória e a velocidade estava diminuindo passando para Vapp+40. Os critérios de aproximação estabilizada de nossa empresa requerem não mais do que Vapp+10 a 1.000 pés acima da elevação do campo. Nesse ponto, percebi que o culpado não era apenas a falta de consciência situacional da minha parte, mas um forte vento de cauda de sudoeste no ar.

Não muito satisfeito com meu trabalho, tomei a decisão de descontinuar a aproximação, que com a nossa aeronave é um procedimento agradável e controlado que é essencialmente uma arremetida muito suave.

Depois que meu copiloto confessou meus ‘pecados’ ao controlador da torre, este nos liberou para entrar no tráfego pela esquerda para um circuito padrão VFR para a mesma pista. À essa altura, ainda voando na mão, voltei ao meu treinamento de configuração e velocidades adequadas em perna do vento, través da cabeceira, perna-base e Final. O resultado foi um pouso decente e um copiloto sobrecarregado. (Pedi desculpas – muito).

Durante o trajeto para o hotel, o copiloto e eu discutimos e repassamos a aproximação mal feita. Além do vento de cauda e pouca consciência situacional, uma autorização direta para a FAF reduziu nossa distância em milhagem para a pista – isso acelerou a parte de desaceleração da descida. Estas são todas as ‘pegadinhas’ comuns ao tentar voar uma aproximação visual. Além disso, discutimos se essa aproximação foi segura e legal. Embora houvesse vários erros cometidos durante a descida e aproximação, a decisão de descontinuar a aproximação (como respaldada por uma política de arremetida sem falha) sustou a maioria dos erros e impediu que estes se tornassem um estado indesejado da aeronave. Então, sim, estávamos seguros, pois optamos por não continuar uma aproximação não estabilizada abaixo de 1.000 pés acima da elevação do campo. De acordo com a definição de uma aproximação visual (Visual approach), fomos completamente legais. A aproximação foi autorizada pelo ATC, o aeroporto operava VFR, e sempre mantivemos o aeroporto à vista durante a aproximação e permanecemos foram de nuvens. Em retrospectiva, estávamos completamente em segurança e legais, mas eu estava completamente envergonhado.

Se eu tivesse que fazer tudo de novo, eu teria considerado – depois de um longo dia – dispor de vetores para uma aproximação ILS ou enquadrar a curva para a final ao invés de uma “dogleg”. Mais importante, eu deveria ter confiado mais na automação, mantendo o piloto-automático e o acelerador-automático ativados, ao contrário do que dizem os especialistas. Ao desconectar a automação, aumentei a carga de trabalho no PM não apenas durante a aproximação mas também durante a aproximação descontinuada e o padrão de tráfego (circuito de tráfego) VFR subsequente. [EL]